terça-feira, 26 de junho de 2012

os vizinhos

Aqui da janela eu a vejo na varanda, fumando seu cigarrinho de frente pra São Paulo toda. A cidade se iluminando as seis e pouco da tarde, terça-feira barulhenta por todos os lados, e ela alí, tranqüila com seu cigarro. Estará sozinha, esperando o marido? Ou esperando uma torta assar no forno? Já senti cheiro de comida da casa dela uma vez que abri a porta do elevador, a vizinha cozinha! As patinhas do cachorro também já chegaram aos meus ouvidos, em geral quando é tarde da noite e há silêncio (melhor momento do dia).
Do meu ângulo consigo ver apenas um abajur, a ponta de um tapete e parte do encosto do seu sofá: branco. Será dessas que tem a casa toda branca, seguidora das tendências da moda? A sua janela é como a minha, sem cortina. Talvez se importe pouco com privacidade, talvez goste da luz entrando perpetuamente em seu apartamento. Talvez seja vagarosa na aquisição das coisas, também recém-chegada ao edifício.
A rede de internet aberta que me aparece de tempos em tempos, seria dela? Se for, nunca vai saber que sou eu quem está roubando seu sinal. Se for vagarosa no que faz, pouco vai se incomodar se a internet lentificar um pouquinho. Ela aguardará, pacientemente, cada página da web se abrir, enquanto assa sua torta, enquanto cuida do cãozinho, enquanto fuma seu cigarro. Esperta, colocou uma cadeira confortável em sua varanda. Pra fumar confortável, bem instalada. Não quer deixar  a casa fedorenta, vai que o marido não gosta. Esperta, deixa tudo cheiroso pro marido, os cheiros são essenciais no amor. Até o cachorro precisa estar cheiroso. E o gato. Sim, também tem um gato na casa da vizinha, que gosta de ficar imóvel na varanda. Nunca o vi junto com ela, em geral eu o vejo junto com o cachorro. Provavelmente quando os vizinhos saem, e os bichanos precisam um do outro para aplacar a solidão. Mas ela não - não tem necessidade de aplacar a solidão, porque gosta dela. Gosta de estar consigo mesma, é de se notar que está em paz com os bichanos soltos pela casa. Seu cachorro não late, fiel ao silêncio de seu apartamento. Fiel até mesmo a mim, vizinha de porta, que detesta latidos estridentes.
A rede aberta que me aparece chama-se linksys - não, ela não daria esse nome a rede. Sua rede deve ter nome de mulher, e pensando bem, provavelmente só se pode acessá-la com senha. A vizinha é esperta. Ela e o maridão inventaram uma senha que ninguém nunca vai descobrir, provavelmente um nome ou uma data boba da história deles: nunca a data do casamento! (fácil demais). Quem sabe a data da primeira transa, ou de uma viagem que fizeram anos atrás. A vizinha não é muito nova, tem cara de estar casada há muito tempo e de confidenciar com o marido milhares de histórias que morrerão com eles...
Vai que um dia não bato em sua porta, a passos de onde estou. Nem que seja pra perguntar seu nome, daria um título melhor a essa postagem...

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Reencontre (après marriage)

esquecido, querido blog
que já me acompanhou por tantos meses na vida de projeções mirabolantes
e esperanças românticas
de feminina solitária que sempre fui

esquecido em um computador
habitante dos fundos de um armário de menina
fiel guardador de todas as roupas e apetrechos
de vinte e oito anos de infância

reencontro-te agora
recém-instalada em um recente lar
que vai abrigar os dias mais lindos
da nossa família recém-desejada

reencontro-te em minha cama
berço de noites que desconheço
de um sentimento que me invade, agora
e vai se perpetuar, inevitável, pelos dias de mulher.