terça-feira, 29 de março de 2011

frágil flor

ao ver a flor amarela desprender-se do ramo, parou, atônita.
(ao testemunhar instante tão raro, ela Imperava)

olhou sem cessar a flor caída no chão, sentindo uma espécie de torpor
como se ela mostrasse alí sua imponência diante do tempo.

eis que alguém comenta em tom banal:
"essas flores nascem e morrem no mesmo dia"

e apequenada diante daquela obviedade (seu Império ruíra),
entristece, e os olhos são agora apáticos.

mostravam-se alí as garras do tempo
flores de vida tão curta que nascem de uma árvore idosa.
como um adulto que demostra uma força quebradiça

(ela notara, dias antes, que na mulher-amada-adulta havia a fragilidade da flor que nasce)

por trás do tempo impiedoso que apodrecia flores no chão
havia a permanência do banal e do óbvio.

e a ilusão de que haveria um dia de testemunhar um instante único
morreu, naquele dia.

terça-feira, 22 de março de 2011

os limites

quando a menina olhou a lua tão grande no céu, pensou: queria ser criança pra sempre!

pensou...pensou....desejou...cobiçou a sorte de todas as crianças, seus direitos ao cuidado, a possibilidade do amor incondicional que toda a criança experimenta.

e agora, com mais de cinquenta anos, sem saber, ela é uma simples criança.

birrenta.

segunda-feira, 14 de março de 2011

o mundo dela são páginas escritas sobre a mesma coisa, em tantas histórias diferentes

domingo, 13 de março de 2011

mais

pegue a sua alegria
sua inclinação a sorrir
a clamar por amor
a falar alto
e gargalhar pro mundo notar sua eletricidade

pegue toda a sua autenticidade
toda a sua vontade de ser
seu sossego familiar
sua insegurança delicada
a magia de sua inocência

seus amigos
seu apetite por tomates
sua entrega aos beijos molhados
aos abraços calorosos
e aos olhares penetrantes

pegue toda a dor
toda a dúvida
seus vários tropeços
e toda a vontade de acertar em cheio
(mesmo com o coração apertado de desrazão)

pegue tudo isso, e soma com o que é meu.

quarta-feira, 9 de março de 2011

conosco

sabes,
naqueles dias sentados sobre a areia
estávamos lado a lado, tu e eu
olhando a linha do horizonte

imagines um mundo sem horizontes:
é caos!
é poeira cósmica misturada ao mar
gravidade misturada ao vácuo

é apenas essa linha
imaginária, bom que se diga
que faz do mundo
uma esfera viva e habitável

sabes,
dentre todas as pessoas do mundo
tu és o único a delimitar
os horizontes do meu mundo.

terça-feira, 1 de março de 2011

o desfile

O mestre-sala se entristeceu quando se deu conta de que, dias antes do desfile, sua porta-bandeira desatou a chorar. Chorava e chorava sem parar e sem saber porquê. As lágrimas escorriam sem secura, dias e dias, ininterruptamente. O mestre-sala começou achando que a culpa era dele. Tentava fazer perguntas, dar conselhos, mas tudo era em vão. Ela não encontrava palavra alguma pra contornar seu choro e aliviar o mestre-sala de sua agonia.

O mestre-sala então começou a se perguntar sobre todos os mistérios femininos: tpm? menopausa? (não, ela era muito nova). ansiedade com o desfile? ciúmes? fora traída? chutada? o noivo não marca casamento? engravidou e teve que abortar? quer ter filho e é infértil? fez promessa pro são minguinho e descumpriu? engordou? achou celulite? cresceu barba? a mãe a acusou? o pai a deserdou?

A porta-bandeira estava muito bonita chorando, ele achava, apesar da afliçao em que se encontrava àquela altura. Ele achou seus olhos mais verdes. Sua face mais rosada. Os lábios tremiam tão docemente, tremiam de agonia desconhecida, e o mestre-sala ia se apaixonando por aquela tristeza sem explicação.

No dia do desfile, ela continuava aos prantos. O mestre-sala então deixou de se indagar e abraçou a mulher, bastante, bem forte, quase tirando-lhe as entranhas por sufocamento. A porta-bandeira soluçava em seu ombro, molhava toda a roupa brilhosa e vermelha dele. Então ela se afastou espontaneamente, limpou as lágrimas do rosto numa tentativa fugaz de sorrir pra ele. Um sorriso sério e decidido. Vestiu um vestido todo preto. Ele a esperou, sereno.

A porta-bandeira e o mestre-sala fizeram uma dança preta e vermelha, como se emergissem de um inferno caloroso e mórbido, ele caloroso, ela de luto por alguma coisa que ninguém jamais compreendeu.

E debaixo de uma chuva de confetes, dançaram, sem choro, durante todo o carnaval.