Aqui da janela eu a vejo na varanda, fumando seu cigarrinho de frente pra São Paulo toda. A cidade se iluminando as seis e pouco da tarde, terça-feira barulhenta por todos os lados, e ela alí, tranqüila com seu cigarro. Estará sozinha, esperando o marido? Ou esperando uma torta assar no forno? Já senti cheiro de comida da casa dela uma vez que abri a porta do elevador, a vizinha cozinha! As patinhas do cachorro também já chegaram aos meus ouvidos, em geral quando é tarde da noite e há silêncio (melhor momento do dia).
Do meu ângulo consigo ver apenas um abajur, a ponta de um tapete e parte do encosto do seu sofá: branco. Será dessas que tem a casa toda branca, seguidora das tendências da moda? A sua janela é como a minha, sem cortina. Talvez se importe pouco com privacidade, talvez goste da luz entrando perpetuamente em seu apartamento. Talvez seja vagarosa na aquisição das coisas, também recém-chegada ao edifício.
A rede de internet aberta que me aparece de tempos em tempos, seria dela? Se for, nunca vai saber que sou eu quem está roubando seu sinal. Se for vagarosa no que faz, pouco vai se incomodar se a internet lentificar um pouquinho. Ela aguardará, pacientemente, cada página da web se abrir, enquanto assa sua torta, enquanto cuida do cãozinho, enquanto fuma seu cigarro. Esperta, colocou uma cadeira confortável em sua varanda. Pra fumar confortável, bem instalada. Não quer deixar a casa fedorenta, vai que o marido não gosta. Esperta, deixa tudo cheiroso pro marido, os cheiros são essenciais no amor. Até o cachorro precisa estar cheiroso. E o gato. Sim, também tem um gato na casa da vizinha, que gosta de ficar imóvel na varanda. Nunca o vi junto com ela, em geral eu o vejo junto com o cachorro. Provavelmente quando os vizinhos saem, e os bichanos precisam um do outro para aplacar a solidão. Mas ela não - não tem necessidade de aplacar a solidão, porque gosta dela. Gosta de estar consigo mesma, é de se notar que está em paz com os bichanos soltos pela casa. Seu cachorro não late, fiel ao silêncio de seu apartamento. Fiel até mesmo a mim, vizinha de porta, que detesta latidos estridentes.
A rede aberta que me aparece chama-se linksys - não, ela não daria esse nome a rede. Sua rede deve ter nome de mulher, e pensando bem, provavelmente só se pode acessá-la com senha. A vizinha é esperta. Ela e o maridão inventaram uma senha que ninguém nunca vai descobrir, provavelmente um nome ou uma data boba da história deles: nunca a data do casamento! (fácil demais). Quem sabe a data da primeira transa, ou de uma viagem que fizeram anos atrás. A vizinha não é muito nova, tem cara de estar casada há muito tempo e de confidenciar com o marido milhares de histórias que morrerão com eles...
Vai que um dia não bato em sua porta, a passos de onde estou. Nem que seja pra perguntar seu nome, daria um título melhor a essa postagem...
terça-feira, 26 de junho de 2012
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Reencontre (après marriage)
esquecido, querido blog
que já me acompanhou por tantos meses na vida de projeções mirabolantes
e esperanças românticas
de feminina solitária que sempre fui
esquecido em um computador
habitante dos fundos de um armário de menina
fiel guardador de todas as roupas e apetrechos
de vinte e oito anos de infância
reencontro-te agora
recém-instalada em um recente lar
que vai abrigar os dias mais lindos
da nossa família recém-desejada
reencontro-te em minha cama
berço de noites que desconheço
de um sentimento que me invade, agora
e vai se perpetuar, inevitável, pelos dias de mulher.
que já me acompanhou por tantos meses na vida de projeções mirabolantes
e esperanças românticas
de feminina solitária que sempre fui
esquecido em um computador
habitante dos fundos de um armário de menina
fiel guardador de todas as roupas e apetrechos
de vinte e oito anos de infância
reencontro-te agora
recém-instalada em um recente lar
que vai abrigar os dias mais lindos
da nossa família recém-desejada
reencontro-te em minha cama
berço de noites que desconheço
de um sentimento que me invade, agora
e vai se perpetuar, inevitável, pelos dias de mulher.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
domingo, 13 de maio de 2012
faces da mulher
Emaranhado nos cabelos louros dela, pediu:
_ Depois de tudo passado, porque não tinges de preto?
surpresa, curiosa, sente uma pontada doída..
_ E perder meus tons naturais?
_ Tens agora que se fazer toda mulher - escancarar a si mesma em uma máscara - ele diz.
_ Pois queres me ver mentirosa?
_ Sim, depois que tudo passar, quero ver-te mentir, e inebriar-me dos prazeres de teus mistérios; além do que, só eu - teu marido - é que saberei das mechas louras ocultas pela tinta. Numa sala de desconhecidos, onde encantarás a todos com tua pose, só eu saberei da tua verdade.
_ Pois se me queres tão radicalmente distinta apenas para gabar-se de (de)ter minha verdade, prefiro continuar em meus tons claros, mesmo depois de tudo passar.
Indigna-se:
_ Serás minha esposa como também é namorada? igualzinha?
_ Igualzinha?- ofende-se ela - Jamais!
terça-feira, 1 de maio de 2012
Maio
É bem cedo de manhã, bem cedo mesmo, mas algo de urgente me acontece, uma pressa incontrolável, ímpeto de correr atrás de... sei lá o quê... chegou? chegou o dia?
O mês chama-se maio, outono no hemisfério sul, mês das noivas importado da Europa. As noivas todas de sapatos brancos e tulipas no buquê, elas estão juntas na Europa caminhando em um parque verde, faz sol! Sapatos brancos! Cadê os meus? Preciso correr, já é de manhã, o mês é maio, faz um frio que eu não sinto, o salão de cabeleireiros é quente com todos os secadores de cabelo ligados ao mesmo tempo, o ruído monótono me ensurdece e eu penso que... precisava encontrar meu vestido, ficou em casa? na loja? não agüento mais esses secadores, preciso correr, o tempo é curto, o mês já é maio, corro pelas ruas porque não encontro nenhum taxi, tenho que correr até lá, até onde estamos combinados! onde? pergunto as horas a alguém na rua, não encontro taxi nenhum, vou a pé mesmo, chegarei a tempo. Meu cabelo: ok. Meu vestido? Meu Deus, estou com ele no corpo, é ele mesmo, olho meus seios, meus pés: todos emoldurados pelo vestido, mas que horas foi que eu o coloquei? Alívio de estar vestida, vou andando num passo mais ligeiro, acho que está ficando calor, não posso suar! o fedor do suor vai estragar tudo, será que encontro um desodorante? Procuro farmácias, todas sumiram, como os taxis, será possível? Chegou o dia, o mês é maio, é feriado? Domingo?? (não pode ser, lembro que escolhi um sábado). Tem algo de errado, algo se arrasta: é o vestido! Olho pra trás, sua calda negra, suja de rua. Mas como pode ser isso? Eu cortei tudo certinho, barra do vestido rente ao chão. Fiz tudo rente, rente, rente ao salto dos... sapatos?? Lembrei! Tinha me esquecido dos sapatos. Não levei ao salão. Não levei a lugar nenhum.... Ficaram na Europa? (visualizei-os num lindo parque verde, esquecidos no gramado).Comprarei sapatos, tem algum shopping no caminho, eu sei que tem um na Av. Paulista, vou caminhando por ela, faz mais calor e o vestido se arrasta, parece que carrego também um véu enorme, melhor segurá-lo nas mãos antes que alguém pise nele. Olho a ponta do véu, tem uma marca de tênis marrom. Sim: uma marca de tênis marrom! Quem dera eu estar com aqueles tênis para que pudesse correr, pergunto as horas mas não tenho sucesso, as pessoas tem seus relógios parados, todas as pessoas na rua desconhecem as horas e - pior ainda - não me olham com o menor espanto. Noiva feia, eu? Noiva que passa desapercebida? Eu? Meu peito para, como os relógios, não sinto mais além de uma paralização dilacerante. Ensaio uma lágrima que rola negra pelo meu rosto: sim, eu tinha feito maquiagem e nem me lembrava. No shopping, muitas pessoas conhecidas olhando-me com ressentimento, eu não havia contado a elas sobre a importância do mês de maio, eu havia me esquecido delas todas enquanto pensava no vestido, nos secadores, nos sapatos, nas tulipas... Não, não são tulipas! São orquídeas! Orquídeas?? Minha mãe disse que eram grandes demais, preciso ligar pra minha mãe, não me lembro mais das flores, nem do número dos sapatos, eu calço 37? 35? Meus pés cansados e negros de sujeira parecem de criança, esqueci de passar esmalte de adulto. Esqueci de pedir pra maquiadora passar um corretivo nas minhas olheiras, me dão ar de velha, de cansada... É, devo ser uma criança velha, é isso, uma criança que sonhava com princesas se casando na Europa. Acho que é tarde, é tarde demais agora, minha mãe não me atende mais, o noivo não pode me ver assim: estraga a surpresa! Quem é que vai me acudir se não há taxis nem na av, Paulista! E além de tudo o que já me ocorreu nesse pesadelo!, sinto... que vai chover. Deve ser meio-dia já, e vai chover! Chove em maio? Minha mãe disse que não... (mas eu acho que só não chove na terra das princesas, onde estão secos e lustrados meus belos sapatos brancos)
sexta-feira, 20 de abril de 2012
realização
E teve um dia...
em que me senti tão sozinha e desamparada
que inventei uma gravidez
pra conversar com a barriga.
Uma vez em que o mundo parecia tão incerto
que eu inventei um "sim"
em busca de consumar algum alívio
ao meu corpo levitante.
Outras vezes
em que tudo era só saudade
e tolerar qualquer momento presente
era inventar um chão a um buraco infinito.
Também arrebatar-me
na aflição de sentir algo
era inventar-me a mim mesma
efêmera em meio ao perene.
E agora
dizer que SEI e QUERO
é inventar um vida inteira
a qual todos dizem: "sim".
Agora
inventar uma história de amor
perene (em meio ao efêmero)
é motivo justo pra que alguma história se realize.
domingo, 15 de abril de 2012
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