quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

o potinho

nele cabe dinheiro
comida de cachorro
água, esperança

 e o que fazer diante do potinho vazio?

Lygia Fagundes Teles diria: orniehnid
ao contrário, dá sorte

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

guarda-chuva; coisa de mãe

não comprei o guarda-chuva no farol
do moço tão simpático que vendia
mesmo que pudesse chover
mesmo que olhasse pro banco de trás constatando sua ausência, não...

é o tipo de coisa que não se compra
porque alguém da família sempre tem

é como livro de receita
brinco de ouro
quadro em desuso
taperwear

coisa que se têm por osmose geracional
vai e vem, como o tempo que se repete.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

toda

Leva contigo as minhas tralhas, tão minhas.
tão logo serei tua

leva contigo minhas tonturas
e jogue-as dentro do teu abismo

minhas tiragens, minhas tranqueiras
meus ínfimos interesses

leva contigo a imagem de mim
traíra, como me pensas.

E na tua taquicardia diária
toma-me em teus braços

tenta-me tarada, numa trepada
faz-me brotar de um truque sujo

tão logo, serás Homem
tão logo, terás tudo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

receita de ano novo

meia hora de pé na estrada
pra que haja distância do velho
(os velhos pais)

vestido novo
um par de lágrimas
uma festa


fogos de artifício numa avenida familiar
que eu nunca vi igual


uns goles de birita
uns beijos bem molhados
uma grávida na foto

gente pestanejando
ao som de um jorge ben meio rouco
um convidado brincando de dj

REPLAY
novos velhos 365 dias por vir....
(grávidos de quê?)

sábado, 8 de dezembro de 2012

comunhão de bens

esse gosto pelas coisas ilícitas
cheirosas feito margaridas colocadas
numa mesa de toalha cor de rosa
em pequenas garrafas de vinho.

esse gosto que mata a cada vez
que urge
num corpo vivo aos lastros
dos acasos que já vieram.

esse gosto pela fumaça, pelo álcool
pela dança dos corpos entretidos de amor
é o que faz a vida
dar as suas caras

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

o desconhecido

a noite

cálida como se coberta por uma manta

escura, úmida, profunda;

misterioso

seria adentrar-me por completo...

sábado, 1 de dezembro de 2012

sobre o infinito (aos olhos de P)

passamos pelo cemitério do Araçá, na Dr. Arnaldo, chuva forte e trânsito parado. Estamos em silêncio escutando o limpador de para-brisa  e eu me lembro, de repente, daquele beagle de 16 anos que viajou comigo. Todos os dias de manhã ele continuava deitado na sua caminha, inquietando-me sempre com a dúvida sobre sua vida ou morte. Eu ficava atenta a sua imobilidade, tão imóvel quanto ele, mas o mínimo arfar de sua barriguinha me certificava: ainda respirava. Morreria a qualquer hora? Agora? Amanhã? Daqui a 6 meses? O pensamento causa desconforto.
Volto-me ao homem que está sentando ao meu lado, sereno.

- E sua mãe, P? o que houve com ela?
- Ah faz tempo que não a vejo... da última vez ela estava deitada na cama do hospital, com aquele aparelho de respirar no nariz.
- Faz quanto tempo isso?
-... (silêncio)
- Você foi ao cemitério?
- Eu não.  Fui ao terreiro. De umbanda, sabe? Lá eles me falaram que iam achar uma solução pra isso...
- Pra isso o que?
- Pra ida das pessoas. Essas que foram e não voltaram ainda....
- Eles falaram da solução?
- Tem umas rezas lá... coisa forte, tirar o espírito ruim do corpo. Eu nunca mais fui lá, porque não acharam ainda a solução. Mas deve ter uma solução pra isso. Jesus não ressuscitou depois de seis dias?
- Três. É o que dizem...
- A vida, amiguinha, a vida é eterna, não tem que ter essas coisas de morrer. O que é morrer, afinal? Botar no caixão? Uma vez eu vi um morto. Ele era feio, descuidado, não era a mesma pessoa bonita que eu conhecia. Ela deve estar em algum lugar... Agora eu to só com a F em casa (irmã). Os outros que moravam lá com a gente devem voltar uma hora. O mundo é sem fim...
- Você tem saudade deles?
- Saudade? a saudade é infinita....