Teria te amado naquelas épocas de telefone de fio, linha ocupada, carro Monza, férias de janeiro no Guarujá. Eu e você perdidinhos pela praia.
Teria te amado nos tempos de escola, quando as meninas assustavam, e eu queria um menino pra andar de mãos dadas. Teria sido você? Nós dois de sorrisos tortos, olhando pra baixo, cadarços desamarrados, teria te amado até sem saber. Estudaríamos juntos, tentando beijos desajeitados por cima dos livros.
Depois, teria te amado no topo daquela pedra no meio do Brasil, eu viajando por entre as matas e desbravando o mundo pela primeira vez. Teria até te amado assim, sem mais nem menos, se estivesse vidrada num gringo qualquer, desses grandes aventureiros da vida que sempre desafiaram meu conservadorismo.
Será que teria te amado quando odiei todos os homens, quando ensaiei lesbianismos, quando ensaiei aquela independência forçada? Embebida de autosuficiência, te teria rejeitado enquanto confundido com meu próprio apelo. E na desconfusão, lembraria-me então dos príncipes encantados de minha infância, das minhas doces brincadeiras de mamãe e filha que, vez ou outra, fingiam um papai que chegava e saía.
Os homens sempre chegavam e saíam. Eis a experimentação da inconstância masculina, que durou toda uma vida.
Teria te amado sim, porque já te amava sem experiementá-lo. E quando topei, enfim, com a realidade de tua existência, não hesitei. Amei-te. E sua doce constância se instalou, e toda a experiência anterior se transformou de vez: o sonho não é real. Mas a realidade inspira os mais diversos sonhos. Outros sonhos.