quinta-feira, 30 de junho de 2011

carros, olhos, sapatos

caminhando pela rua, apressado, deparo-me com o farol vermelho para pedestres. paro. os carros descem a ladeira como numa correnteza forte que nunca estanca - um atrás do outro, sem parar.
se olho pros carros me sinto anisoso e com um pouco de raiva.resolvo então olhar pra outro lado: o esquerdo.
encontro uma moça linda, séria, usando óculos escuros. os cabelos bilham de sol e poeira da cidade, cabelos loiros no meio do cinza paulistano são estonteantes e reluzentes!
e eu daria tudo pra ver aqueles olhos cobertos pelas lentes escuras, deviam ser olhos instigantes. senti um calor que vibrava pelo meu corpo, aquela mulher linda e gostosa começou a me excitar - e ela nem olhava pra mim, velho que sou...
fiquei me sentindo um tarado e resolvi olhar pra outro lado, menos tentador: mas não tinha ninguém e eu novamente podia ver aquele fluxo interminável de carros buzinantes - de novo fiquei irritado.
olho pra baixo e respiro um pouco: meus sapatos marrons. e meu pau duro. uma estaca no meio das minha pernas, desejando aquela loira linda.
o farol ficou verde e a moça continuou parada, por menos de um minuto, e quase foi levada pela multidão frenética agora atravessando a rua. eu também fiquei, e na contra-mão do fluxo me senti um ser de outro mundo.
então, num gesto assutado, como quem novamente desperta ao ritmo imossível, pôs-se a caminhar. eu contiunuei parado perguntando a mim mesmo o que será que a entretia tanto, o que será que passava por ela e que a havia tirado daquelo ritmo. o que será que a faz voar?
estar parado com ela foi o meio-minuto mais comprido que vivi.
nunca mais esqueci essa mulher, e fico louco de tesão só de pensar no olhar oculto - voando por algum lugar que jamais vai me pertencer...

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Vasculhando um pote de raivas inomináveis, é sim possível encontrar lá no fundo, escondido sob mil tranqueiras sobrepostas para CEGAR:
UM FIO DE SI MESMO.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

algo

No caminho de volta, desce do ônibus antes da parada em que costuma ficar. Decide fazer uma parte do caminho a pé, e isso significa poder se enveredar por dentro do parque. Um fim de tarde sem nuvens, um sol poente que pinta o gramado com tons alaranjados. Ela deita-se no gramado, como em um tapete gigantesco, úmido. Experiencia o contraste que há no anoitecer de junho: a quentura dos raios do sol que restam, e a frescura de um vento que sopra da noite itinerante.
Enxerga um bebê correndo sem firmeza pela vastidão daquele verde, e o pai toma suas mãos, e depois as solta, para que ele se entregue ao mundo. Não o segura, nem o deixa perder-se, mas encarna em si uma referência ao pequeno.
Ela um dia quer ser mãe, e sente no próprio ventre esse desejo se acumular.
Pensa no dia que passou, no que ainda resta a fazer, e depara-se com um pensamento que não cessa de se intrometer: os compromissos a atormentam!
São quase seis horas, ela deve sair dalí rumo ao comprometido, ao horário combinado, à comemoração onde a esperam. É a sexta feira despertando a cidade. O parque escurece, ela volta a caminhar, para longe da criança com seu pai, para longe do gramado, para longe de sua predileção: aquela pela espontaneidade.
E na reta entristecida de sua "volta ao normal", topa com um amigo que não vê há anos. Sorri encabulada, sabe que ele já se atreviu a convidá-la a sair, sempre meio interessado em...algum encanto que ele supunha que ela tivesse. A surpresa é tamanha (tamanha!) que ela diz que precisa ir, num passo apressado, defendendo-se de si mesma. Há algo que a impede de entregar-se à espontaneidade. Algo que a impede entregar-se.
Algo que a impede.
Como saber o que se perde e o que se ganha quando não se pode prever o futuro?
Para ela é como se algo estivesse sempre - sempre - fora do lugar.

domingo, 12 de junho de 2011

dia dos namorados

Clarice Lispector disse em seu mais nobre livro (Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres) que DAR AO OUTRO A PRÓPRIA SOLIDÃO é o máximo que se pode dar de si.

Um belo presente, sem dúvida: não consumível, não cumulativo, não comprável, não extorquível e nem rentável.

Entre a matéria e o sensível há um mundo inteiro - o mundo dos namorados.

Quanto mais esse mundo existe, menos ele se limita a rótulos e datas comemorativas. Menos ele se exprime em trocas, contratos e previsões.

Ele simplesmente há. Ou não há. (quem vai dizer?)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

a wanda

É possível ser impenetrável a muita coisa
Stress
Poeira
Choro de bebê
Olho gordo
Buzina de caminhão
Telemarketing
Bocejo do fulano ao lado
Demanda de atenção
Àquela pergunta cretina:está tudo beeeem??

É possível ser IMPenEtRÁveL, pelo menos em aparência; mas se porventura há cumplicidade, então há condescendência.
Os poros existem para serem penetrados.

A Wanda parece impenetrável
Deprimida e isolada, caso grave
Mantém-se sozinha
Longe das gentes
Mas aceita companhias
E hesita aos convites
Se espera alguém convidá-la, é para sentir o gosto da dúvida
Dizer "não" (nada como um sonoro NÃO) mesmo querendo, no fundo, dizer sim
Pois o interesse do outro por ela será sempre uma dádiva
E guardar-se, isto sim, é a dádiva maior.

A Wanda é uma senhora
Senhora de uma vida de sessenta anos
Bonita e elegante
Guarda dentro de si uma jornada de clausura
Uma longa busca pela expressão do que tem de feminino
A Wanda é dessas mulheres atuais
Que carregam um passado marcado pelo machismo
É dessas que se perguntam se o outro convida pelo prazer da sua companhia
Ou pelo prazer da posse

Porque a Wanda foi possuída por seu marido
Um ciumento que já morreu
Um ciumento que a impediu de trabalhar
E nela fez três filhos, designando-a: Senhora Mãe (e nada mais)

A Wanda guarda em sua tristeza, não a sua viuvez
Mas a atual ausência dos filhos (adultos)
A solidão
E a dificuldade de ser mulher num corpo de sessenta anos
Por sua vez num mundo de 2011 anos (moderno, é o que dizem)
Tão estranho a ela
Em que as mulheres são ...

O que?

Bem-sucedidas no mercado
Mães de proveta
Silicones ambulantes
A Wanda quer ser além, e não encontra por onde
Mas sempre toma a iniciativa de fumar seu cigarro no canto onde gosta
E é nesta brecha que assume e expressa
A sua liberdade
A de ser penetrada pela volúpia de um bom cigarro
E ao soprar para fora seu EU-Volátil
Encontra o silêncio
aquele que a permite escutar o que fala dentro dela.

domingo, 5 de junho de 2011

sexta-feira, 3 de junho de 2011

maré

emoldurada por um vestido branco, a menina-moça-mulher sentada na beira da praia brinca de molhar a borda do vestido.
brinca de molhar as pontas dos longos cabelos a cada espuma do mar.
brinca de fazer seus castelos de areia que desmoronam pouco a pouco, como em pequenos tsunamis.
a espuma do mar invade o meio das pernas da menina, brinca de fazê-la molhada onde ela é -completamente - mulher.
a maré vai e vem, e brinca com ela de ir e vir, e se afasta invocando-lhe desejo (de entrar até a mais escura profundeza)
e volta, cada vez a cobrir mais e mais o ventre quente de menina-moça.
e o sol ilumina o rosto vivo de quem ainda sorri como se sorri na infância (sem pudor)
e a espuma do mar, ao avançar gelada e suave, toca-lhe onde mais teme - e onde mais quer.
e sua brancura confunde-se com o vestido branco, e esconde-a de si mesma.
e faz brotar o infindável mistério em si- o de ser mulher, infinitamente.