domingo, 29 de maio de 2011

uma viagem

Vai, meu menino
Vai viver o que deve ser
Vai viajar pelo mundo, só e com coragem
Porque da noite pro dia você não vai crescer

Vai um tempo pra longe dos meus braços
Vai, seguindo teu desejo de te encontrar
Pra ser homem é preciso desatar alguns laços
Aqueles com o mundo que te cuida e resolve em teu lugar

Vai ser você fora daqui
Em algum lugar ao norte
Aonde você pode sofrer e descobrir
Todo o teu lado forte

Vai um tempo pra longe das minhas garras
E das minhas marras
Porque eu te quero Homem -
- sem medo de me perder

E se houver espera
Que não seja por tempo eterno
E nem uma passagem pelo inferno
Mas que seja o alimento do amanhã

Porque saudade vai haver
Há de haver saudade quando o amor está distante
E que tua ida seja
A consequência deste instante

E que tua ida seja
Seu motivo de manter o pescoço ereto
O tronco reto
E o olhar apontando alhures

E eu jamais vou voltar a te escutar
a querer- com culpa- justificar
Que você deseja além de mim
Pois eu sei que além de mim há muita coisa, enfim.

E o abandono, meu amor, não existe.

domingo, 22 de maio de 2011

palavras não pronunciadas de um cão

sentado em frente ao fogo ardente, rodeado pela suavidade de um domingo romântico, pelo ar da montanha, cheiro fresco de madeira das lenhas que queimam, estômago preenchido de comida e outros quitutes.

encontro a maciez de um tapete mais felpudo do que aquilo que lembro de minha mãe. (que lindo encontro!)

a noite cai fria, eles se amam e me abrem espaço entre eles.

vivo, sem consciência da perfeição do mundo, a fina e delicada combinação entre minha existência canina e a outra existencia - a dos humanos. (ou, em minha concepção, animais bípedes cuja preguiça e gulodísse me soam quase-idênticas às minhas)

se o mundo acabasse, feliz estaria eu por aqui.
morramos entre bichos, natureza e prazer!
(só espero não haver estrondos - tenho medo de trovão...)

terça-feira, 17 de maio de 2011

o mergulho

caminhe até o topo mais alto da montanha mais bonita, suba e sinta o frio na barriga e a possibilidade do descontrole a cada gota de suor na testa.
quando chegar ao topo, vá às bordas do mundo, olhe para baixo até quado conseguir, até o limite de sua vertigem, respire fundo, feche os olhos e ... salte!
aproveite o êxtase, o êxtase de sair do chão, de estar entre as nuvens, todas as imagens de todos os êxtases da sua vinda se completando e se confundindo no escuro de suas pálpebras cerradas . seladas.
Viva o topo do mundo! estar acima e completo, desencarnado como anjo, num ato suicída que se mescla à ruína do inferno.
todos os momentos que você ama, todas as transas apaixonadas e todas as lamúrias.
dance no ar, abra os olhos! árvores e pássaros. azul, branco, azul, verde. as cores vistas em alta velocidade passam velozes.
qual o peso da gravidade? qual o tempo da queda livre?
seus cabelos balançam em fios despenteados, revoltos, seu rosto gela com a temperatura de um ar rarefeito, as pernas e pés bambas, mais leves que sua cabeça que, lentamente, pende ao chão.
as roupas voam, ficará nu!
um lago cristalino aguarda sua queda, límpido, frio e sereno: para sugar seu movimento abrupto.
sua queda provocará ondas, distúrbios. a água reagirá com violência.
seu mergulho será lindo, orgástico e estancará o tempo.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

estória de jornal

dentro dos limites do possível, habitamos o inusual, o improvável, o insólito.
sem prever, a gente sai inteiro do quase-nunca!
dentro dos limites que mal conhecemos de nós mesmos, dá pra tolerar uma violência estonteante que só passa em jornal!
um pai machucado que só se vê nos piores pesadelos ou filmes de terror.
um abuso de poder tão escancarado, capaz de provocar risos involuntários.

dentro dos cenários do mundo
(um mundo com mais atropelos do que caminhadas)
é sim possível ser totalmente vítima-relâmpago!
e nos outros tantos minutos que virão depois do flash - o trovejo longo, raivoso - o que foi real fica guardado na fantasia
e lembrado, em pedaços, vira quase-faz-de-conta.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

o eterno depois

sentada em sua cadeira, fumando seu baseado, ela esperava. muito.

- o que você está esperando? - perguntou o namorado
- estou esperando o que vai acontecer.
- mas assim? espera qualquer coisa que aconteça?
- não...
- e então??
- bom... sei lá... te incomoda muito a minha espera?

(sim, ele ficava muito incomodado em vê-la sentada a sua frente, tão distante).

- é que a distância me dá paz! - ela disse, tentando justificar-se, com pouco sucesso.
- sabe o que me incomoda na sua distância?
- hum?
- é como se você não estivesse comigo de verdade...
- (silêncio)

ela então olha-o nos olhos, olha tanto que é ele quem desvia o olhar.

- estou sim com você. se estivesse mais do que isso, não conseguiria - ela diz em um tom quase trágico (sim, pra ela a vida não pode ser outra coisa que não uma grande tragédia - as vezes cômica)
- bom, é só que as vezes eu sinto - (ele não sabe dizer bem o que sente porque nessa hora sente muito medo de dizer) - eu sinto que...
- (agora ela não o olha mais )
- eu sinto que você espera por mim quando eu já estou aqui!
- a espera pode ser doce, pode ser a unica coisa capaz de me fazer, de verdade, viva!
( o que doía nela era o fato de que quando as coisas aconteciam, a espera acabava, e era sempre uma grande desilusão)
- você só pode ser maluca!!
- sou.
- maluca mesmo! (ele falava com raiva - e a raiva era a de estar submisso a ser sempre quase-ele - nunca ele era inteiro pra ela)
- você não pode me ter inteira pra você - disse em um tom muito sério e decidido.
- ... (ele entende, de verdade e com raiva, porque é tão apaixonado por ela)

aí ele também fuma, e vê entre os tufos de fumaça a lua nascer atrás de um prédio. duro prédio, bela lua.

domingo, 8 de maio de 2011

a maçã

casca vermelha, dentro suculenta
casca apodrecida, dentro como nova
casca de moça suave, dentro de diaba estridente
casca de lima da pérsia, dentro suco de limão
casca de arrogante e frígida, por dentro em chamas

casca crocante, dentro macio
casca de homem sério, dentro menino apaixonado
casca escura, dentro amarelo
casca forçuda, dentro magrelo
casca de máscara, dentro nem pula carnaval

a maçã evenenada
tinha casca doce, e dentro era mortal

o beijo do príncipe
casca invasor, dentro emocionado (quer acordá-la ou continuar a fantasiá-la?)
como o homem que beija vorazmente, e por dentro teme a mulher que beija
que preocupa-se delicadamente, e por dentro a quer em meio a dor (quer ferí-la, maltratá-la a pontapés se pudesse)

a casca branca da moça da pele como a neve
tem por dentro coração de mulher
útero oco
(e quanto mais oco mais pulsante)


a casca enganadora
esconde todo o interior desamparado
toda a polpa que jaz tão fraca
em frangálhos!
(pedindo para ser encontrada)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Bin Laden

"o armagedon está chegando, é necessário voar para longe, para o outro-cosmos, que todos vocês sejam resgatados pelos UFOS para o outro-cosmos enquanto eu me solitarizo; é necessário que eu esteja em solidão para me comunicar com o criador supremo, e avisar o FBI: a al quaeda está planejando um ataque armagedônico e holocáustico. O mundo vai podre! Preciso estar só e trancafiar tudo, eu disse tudo! vocês preferem que o armagedon venha holocaustico ou simplesmente hard? Como fazer agora pra amenizar a força com que vem os ataques dos grandes corruptos? Vocês precisam me deixar só, quando me solitarizo é que posso me comunicar com ELE, por favor, deixem-me em casa! eu não vou subir pelas paredes, nem procurar rabo de saia como a mulher fica pensando que eu vou. A mulher e o filho devem ir com o resto ao outro-cosmos, hoje mesmo, pois o dia está próximo, o dia armagedônico"

relato de um telepata em conexão direta com o mundo após ler no jornal que haviam assassinado Osama Bin Laden

ps: dizem alguns sabidos especialistas da psicologia e da psiquiatria que é um caso de esquizofrenia - será que necessita de tratamento este visionário da trama ataque-retaliação que permeia o seu (nosso) mundo? - estaria mesmo louco?

domingo, 1 de maio de 2011

editando sons

o barulho seco do salto no assoalho de madeira, uma graçonete que caminha decidida.

a suavidade das páginas de um livro sendo, vagarosamente, viradas - quebram o silêncio da solidão que envolve a leitura
(sim, é tão suave a solidão quando a escolhemos).

barulho dos brincos de cristal posando na mesa de cabeceira, dos cabelos sedosos dentre os dentes de um pente, dos lençois da cama sendo tateados por um corpo que pede sono.
(chegar em casa é a cura de todo o excesso de peso que um mundo causa)

o estralar dos ossos na primeira espreguiçada matinal, tocar os pés no tapete, a maçaneta que soa hesitante...
(sair do quarto é tão custoso na segunda-feira).

bolhas ferventes na chaleira, tilintar de talheres, dedos tocando a mesa em espera ansiosa
(prenúncio de um dia sem tempo - e sem silêncio).

a água do chuveiro caindo sobre o corpo, o esburrifo do perfume
(prenúncio de alívio, romance ao fim do dia).

respirar.

os gemidos do amor que se confundem com choro - fazer amor é chorar porque é também o transbordamento do invisível que nos preenche.
(o corpo transbordando toca sua orquestra de dores e prazeres).

quando se repara bem, dá pra notar que a vida tem os sons do cinema!
e pode-se viver todos os dias tocando levemente o que não é real, como numa dupla vida...

(homenagem a Krysztof Kieslowski)