passamos pelo cemitério do Araçá, na Dr. Arnaldo, chuva forte e trânsito parado. Estamos em silêncio escutando o limpador de para-brisa e eu me lembro, de repente, daquele beagle de 16 anos que viajou comigo. Todos os dias de manhã ele continuava deitado na sua caminha, inquietando-me sempre com a dúvida sobre sua vida ou morte. Eu ficava atenta a sua imobilidade, tão imóvel quanto ele, mas o mínimo arfar de sua barriguinha me certificava: ainda respirava. Morreria a qualquer hora? Agora? Amanhã? Daqui a 6 meses? O pensamento causa desconforto.
Volto-me ao homem que está sentando ao meu lado, sereno.
- Ah faz tempo que não a vejo... da última vez ela estava deitada na cama do hospital, com aquele aparelho de respirar no nariz.
- Faz quanto tempo isso?
-... (silêncio)
- Você foi ao cemitério?
- Eu não. Fui ao terreiro. De umbanda, sabe? Lá eles me falaram que iam achar uma solução pra isso...
- Pra isso o que?
- Pra ida das pessoas. Essas que foram e não voltaram ainda....
- Eles falaram da solução?
- Tem umas rezas lá... coisa forte, tirar o espírito ruim do corpo. Eu nunca mais fui lá, porque não acharam ainda a solução. Mas deve ter uma solução pra isso. Jesus não ressuscitou depois de seis dias?
- Três. É o que dizem...
- A vida, amiguinha, a vida é eterna, não tem que ter essas coisas de morrer. O que é morrer, afinal? Botar no caixão? Uma vez eu vi um morto. Ele era feio, descuidado, não era a mesma pessoa bonita que eu conhecia. Ela deve estar em algum lugar... Agora eu to só com a F em casa (irmã). Os outros que moravam lá com a gente devem voltar uma hora. O mundo é sem fim...
- Você tem saudade deles?
- Saudade? a saudade é infinita....
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