"Estabilizando-se. O frenesi superaquecido se transmudando numa serena afeição física. É assim que prefiro descrever o que está ocorrendo com nosso amor durante esse bem-aventurado verão. Será que posso pensar se forma diferente - posso realmente acreditar que, em vez de pousar num cálido platô de doce aconchego e intimidade, estou escorregando por um íngreme declive, embora por enquanto longe da caverna fria e solitária onde por fim cairei? Sem dúvida, o leve componente de brutalidade desapareceu de vez; já ficou para trás a mistura de crueldade e ternura, aquelas sugestões de total submissão refletidas nas equimoses arroxeadas, o frêmito de lascívia que vem com a palavra chula sussurrada no auge do tesão. Não sucumbimos mais ao prazer nem nos tocamos em qualquer lugar, as carícias e os apertões feitos com aquela insaciável insensatez tão alheia ao que somos em outros momentos. Na verdade, já não sou tanto o animal nem ela é tanto a vagabunda, nenhum de nós continua a ser o lunático voraz, a criança depravada, o violador de nervos de aço, a vítima indefesa da empalação. Os dentes, antes lâminas e pinças, os dentes dolorosos dos filhotes de gatos e cachorros, são de novo apenas dentes, as línguas são línguas, os membros são membros. O que é, sabemos todos, como deve ser.
Do meu lado, não vou brigar por causa disso, ou ficar amuado, ou sentir saudades, ou cair no desespero. Não vou transformar em religião o que está se esvaindo - meu desejo por aquela tigela em que mergulho o rosto como se quisesse extrair a última gota do sumo que não consigo ingerir com suficiente rapidez…a excitação implacável causada por aquele subir e descer da mão envolvente, tão forte, tão rápido, tão obstinado que, se não digo gemendo que não me sobra mais nada, que estou exaurido e entorpecido, ela, naquele estado de fervor radiante que faz fronteira com a impiedade, não irá parar até haver ordenhado a própria vida de meu corpo seminu. Não, tenciono eliminar qualquer ilusão sobre a possibilidade de um grande renascimento do drama que aparentemente se aproxima do fim, aquele teatro clandestino e sem censura no qual atuaram nossos quatro egos furtivos - os dois que respiram ofegantes durante a ação, os dois que também ofegantes os observam - , onde a preocupação com o que é higiênico e comedido, tanto quanto a noção da hora do dia ou da noite, não passam de intromissões ridículas. Posso dizer que sou um novo homem - isto é, não sou mais um novo homem - e sei quando meu tempo acabou: agora, bastará o simples fato de afagar seus cabelos longos e macios, bastará ficarmos lado a lado na cama todas as manhãs, acordando entrelaçados, acasalados, UNIDOS NO AMOR."
Philip Roth
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