Carreguei o emblema da garantia da não-solidão
durante os 9 meses de barriga
Além dos tantos anos em que sonhei com ela
Carreguei com garras fortes a incrível
expectativa de um resto da vida a dois
Se ela já vivia no casamento, passou a viver
com maior força durante os tempos do sonhar em ser mãe
Um pequeno sangramento e uma linha positiva no
teste sinalizaram sua realidade
O filho sonhado já existia
A mãe sonhada existia (ou estava em vias de
existir)
Eis que aquele pequeno sinal de estar grávida se transformou num monte de sensações físicas desagradáveis, e depois havia uma
imagem no ultrassom, um coração que batia, um sexo que se definiu, uma barriga
que despontou e cresceu inimaginável...
Até que um bebê inteiro morava dentro de mim.
Não era mais eu sozinha, nunca mais eu haveria
de estar sozinha.
A contagem dos dias até o final da gravidez passou a ser o tempo mais certo de minha vida
Uma semana a menos, outra semana a menos
E eis que o rebento, de tanto crescer, rompeu
meu corpo que o embalava
Rompeu-se o sonho e chegou um ser de carne,
cabelos, voz
Um ser pequenino e roxo, engasgado, que saiu de
meu corpo direto ao corpo hospitalar
Meu corpo, agora também orfão da placenta e do
cordão que nos ligava, só sabia chorar
Chorou uma, duas, dez vezes, e ao longo dos dias chorou outras inúmeras lágrimas,
desamparado.
Se era eu quem amparava aquele bebê em minha
barriga, também estava incrivelmente amparada por ele.
Não há nada mais certo do que a vivência de uma
morte no nascimento
Durante os dias que se seguiram a chegada de
meu filho, tudo ia morrendo: eu-menina, eu-e-meu-marido, eu-grávida, eu-mulher.
O que é nascer mãe? Ao nascer meu filho, nasci
mãe, invariavelmente?
Morri um pouco com seu primeiro choro, com os
resmungos que não soube significar, com a imensa fragilidade e dependência
daquele pequenino em meus braços
Morri um pouco quando papai-marido nos deixou,
mesmo sabendo que todos os dias seu retorno poderia consolar-me.
Morri, especialmente, ao me ver só-com-ele.
Meu filho era só desamparo, e caberia a mim
deter a fortaleza de ampará-lo e sabê-lo necessitado.
Como amparar quando se está desamparada?
Aquela barriga era ele! Mas peguei-me lembrando
de ser outro alí dentro.
Peguei-me nostálgica da maternidade, onde me
cuidaram como se fosse eu a pequenina.
Peguei-me nostálgica dos dias de visitas
constantes, aquela novidade que chegou encarnada em meu filho foi morrendo também.
Mas a mim se seguia e se seguiria até o fim da
vida, sem ser novidade,
Eis que me dou conta: nunca mais serei sozinha.
Apavorante constatação!
Será agora uma grande arte voltar a conversar
com a solidão que me acompanhou por toda a vida que conheci até hoje.