terça-feira, 15 de março de 2016

Da arte de se conversar com a solidão


Carreguei o emblema da garantia da não-solidão durante os 9 meses de barriga
Além dos tantos anos em que sonhei com ela

Carreguei com garras fortes a incrível expectativa de um resto da vida a dois

Se ela já vivia no casamento, passou a viver com maior força durante os tempos do sonhar em ser mãe

Um pequeno sangramento e uma linha positiva no teste sinalizaram sua realidade
O filho sonhado já existia
A mãe sonhada existia (ou estava em vias de existir)

Eis que aquele pequeno sinal de estar grávida se transformou num monte de sensações físicas desagradáveis, e depois havia uma imagem no ultrassom, um coração que batia, um sexo que se definiu, uma barriga que despontou e cresceu inimaginável...
Até que um bebê inteiro morava dentro de mim.

Não era mais eu sozinha, nunca mais eu haveria de estar sozinha.

A contagem dos dias até o final da gravidez passou a ser o tempo mais certo de minha vida

Uma semana a menos, outra semana a menos

E eis que o rebento, de tanto crescer, rompeu meu corpo que o embalava

Rompeu-se o sonho e chegou um ser de carne, cabelos, voz

Um ser pequenino e roxo, engasgado, que saiu de meu corpo direto ao corpo hospitalar

Meu corpo, agora também orfão da placenta e do cordão que nos ligava, só sabia chorar

Chorou uma,  duas, dez vezes, e ao longo dos dias chorou outras inúmeras lágrimas, desamparado.

Se era eu quem amparava aquele bebê em minha barriga, também estava incrivelmente amparada por ele.

Não há nada mais certo do que a vivência de uma morte no nascimento

Durante os dias que se seguiram a chegada de meu filho, tudo ia morrendo: eu-menina, eu-e-meu-marido, eu-grávida, eu-mulher.

O que é nascer mãe? Ao nascer meu filho, nasci mãe, invariavelmente?

Morri um pouco com seu primeiro choro, com os resmungos que não soube significar, com a imensa fragilidade e dependência daquele pequenino em meus braços

Morri um pouco quando papai-marido nos deixou, mesmo sabendo que todos os dias seu retorno poderia consolar-me.

Morri, especialmente, ao me ver só-com-ele.

Meu filho era só desamparo, e caberia a mim deter a fortaleza de ampará-lo e sabê-lo necessitado.

Como amparar quando se está desamparada?
Aquela barriga era ele! Mas peguei-me lembrando de ser outro alí dentro.
Peguei-me nostálgica da maternidade, onde me cuidaram como se fosse eu a pequenina.
Peguei-me nostálgica dos dias de visitas constantes, aquela novidade que chegou encarnada em meu filho foi morrendo também.
Mas a mim se seguia e se seguiria até o fim da vida, sem ser novidade, 

Eis que me dou conta: nunca mais serei sozinha. Apavorante constatação!

Será agora uma grande arte voltar a conversar com a solidão que me acompanhou por toda a vida que conheci até hoje.





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