terça-feira, 1 de março de 2011

o desfile

O mestre-sala se entristeceu quando se deu conta de que, dias antes do desfile, sua porta-bandeira desatou a chorar. Chorava e chorava sem parar e sem saber porquê. As lágrimas escorriam sem secura, dias e dias, ininterruptamente. O mestre-sala começou achando que a culpa era dele. Tentava fazer perguntas, dar conselhos, mas tudo era em vão. Ela não encontrava palavra alguma pra contornar seu choro e aliviar o mestre-sala de sua agonia.

O mestre-sala então começou a se perguntar sobre todos os mistérios femininos: tpm? menopausa? (não, ela era muito nova). ansiedade com o desfile? ciúmes? fora traída? chutada? o noivo não marca casamento? engravidou e teve que abortar? quer ter filho e é infértil? fez promessa pro são minguinho e descumpriu? engordou? achou celulite? cresceu barba? a mãe a acusou? o pai a deserdou?

A porta-bandeira estava muito bonita chorando, ele achava, apesar da afliçao em que se encontrava àquela altura. Ele achou seus olhos mais verdes. Sua face mais rosada. Os lábios tremiam tão docemente, tremiam de agonia desconhecida, e o mestre-sala ia se apaixonando por aquela tristeza sem explicação.

No dia do desfile, ela continuava aos prantos. O mestre-sala então deixou de se indagar e abraçou a mulher, bastante, bem forte, quase tirando-lhe as entranhas por sufocamento. A porta-bandeira soluçava em seu ombro, molhava toda a roupa brilhosa e vermelha dele. Então ela se afastou espontaneamente, limpou as lágrimas do rosto numa tentativa fugaz de sorrir pra ele. Um sorriso sério e decidido. Vestiu um vestido todo preto. Ele a esperou, sereno.

A porta-bandeira e o mestre-sala fizeram uma dança preta e vermelha, como se emergissem de um inferno caloroso e mórbido, ele caloroso, ela de luto por alguma coisa que ninguém jamais compreendeu.

E debaixo de uma chuva de confetes, dançaram, sem choro, durante todo o carnaval.

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