Era um ônibus amarelo sem itinerário.
Passava por todas as esquinas do mundo.
Parava nos pontos.
Onde buscava e deixava pessoas que pedissem para subir ou descer.
A regra: jamais deixar a mesma pessoa no ponto em que partiu.
E ninguém precisava se compromissar com nenhum lugar.
E ninguém deveria encrencar-se com uma rotina maçante de repetição de rotas.
Maçante repetição de rotas.
Em cada lugar um novo vínculo.
Em cada parada um novo lugar.
E descer significava ficar - por um tempo - até que o ônibus passasse novamente, após ter percorrido o resto do mundo.
E ficar significava correr o risco
De lidar com o jamais experienciado.
Lidar com o jamais experienciado.
Compromissar-se com um lugar aleatório?
Ou percorrer, simplesmente, a estrada do mundo todo?
sexta-feira, 29 de julho de 2011
terça-feira, 26 de julho de 2011
Não comi
Eu que andava fraquejando do estômago - esse órgão que se sensibiliza a cada entra e sai de emoções - não comi.
Não comi o pão com queijo e mortadela servido no lanche.
Jazia mal dormida de uma noite de nós na cabeça, eu que andava com tanta dificuldade de desatar nós - não comi.
Não comi o pedaço de torrada no café da manhã.
Empapuçada de uma espécie de agonia constante, que me subia e descia pelo corpo todo em formato de dor - não comi.
Não comi a macarronada à putanesca do restaurante tão charmoso.
Também não comi o feijão, que sempre acompanha o arroz no almoço dos dias todos. Comi arroz e carne, tudo seco no prato.
Eu que andava engolindo tudo a seco: os pedidos, as promessas, os olhares investigadores de minha pessoa - Não! eu não queria comer nada.
E como quem se veste inteira para um baile de máscaras, meia-calça, colant, tudo colado no corpo: não expus nada! Tapei cada orifício. Cada boca do meu corpo.
A dúvida e a inquietude alimentam a alma de banquetes interiores feitos de vácuo. Comi tanto vácuo que deixei de lado o pão, a batata, o pedaço de banana. Deixei de lado todos os jantares.
Mas fiquei com o vinho.
E se meu corpo servir de carne a ser amordaçada, abocanhada, despedaçada e deglutida como a mais saborosa das carnes - então me deixo levar a qualquer comilança do amor.
Não comi o pão com queijo e mortadela servido no lanche.
Jazia mal dormida de uma noite de nós na cabeça, eu que andava com tanta dificuldade de desatar nós - não comi.
Não comi o pedaço de torrada no café da manhã.
Empapuçada de uma espécie de agonia constante, que me subia e descia pelo corpo todo em formato de dor - não comi.
Não comi a macarronada à putanesca do restaurante tão charmoso.
Também não comi o feijão, que sempre acompanha o arroz no almoço dos dias todos. Comi arroz e carne, tudo seco no prato.
Eu que andava engolindo tudo a seco: os pedidos, as promessas, os olhares investigadores de minha pessoa - Não! eu não queria comer nada.
E como quem se veste inteira para um baile de máscaras, meia-calça, colant, tudo colado no corpo: não expus nada! Tapei cada orifício. Cada boca do meu corpo.
A dúvida e a inquietude alimentam a alma de banquetes interiores feitos de vácuo. Comi tanto vácuo que deixei de lado o pão, a batata, o pedaço de banana. Deixei de lado todos os jantares.
Mas fiquei com o vinho.
E se meu corpo servir de carne a ser amordaçada, abocanhada, despedaçada e deglutida como a mais saborosa das carnes - então me deixo levar a qualquer comilança do amor.
quinta-feira, 14 de julho de 2011
tête a tête
Não pudera deixar de notar suas rugas: aquela mulher tinha no rosto as marcas das milhões de vezes em que franzira a testa, das milhões de vezes em que sorrira, fechara os olhos, espirrara. Cada repetição de cada movimento de sua face jazia estampada em seu rosto. E seu rosto denunciava uma beleza de outrora. E na voz um tom de melancolia até charmoso. E no olhar, a curiosidade pela outra.
Não! Ela não revelaria a nossa protagonista a sua identidade. Deixaria-se desvendar.
- Durante anos amei um só homem.
Estavam deitadas ao sol, em frente ao mar, na manhã seguinte.
- Quantos anos?
- Nem sei, mas muitos... e houveram diversas interrupções. A cada uma, eu desbravava o vazio imenso que havia em mim na sua ausência, desbravava o vazio como quem procura por uma fresta de luz num quarto completamente escuro. E o que encontrava, a cada ausência dele...
- O que?
- Meus fantasmas. Todos!
- E que te diziam?
- Que eu o perdera para outra mulher, mais jovem e mais bonita. Isso desde que eu era jovem: já me sentia velha desde jovem...
- Teus fantasmas tinham sexo?
- Sim, eram mulheres. Claro. As vezes, eu notava um fantasma do sexo masculino, o do tipo abusador, dava-me medo a violência de que ele era capaz.
- Acha que as mulheres podem te assombrar mais do que um homem violento?
- Felizmente ele (o homem amado) sempre voltava aos meus braços, depois de suas aventuras com elas. E quando eu o tinha, sentia-me protegida dos fantasmas masculinos. Mas as mulheres eram sempre o potencial presente, constante, de repelí-lo de mim. Durante todo o tempo, foram elas as minhas maiores ameaças.
- Não me sinto ameaçada por mulheres, ao contrário. Sinto-me muito instigada por elas, como se com elas eu pudesse aprender tudo sobre o amor. Se meu homem tivesse outra, adoraria saber seus segredos de seduzí-lo...
- Quais são os seus?
- Gosto de ser, simplesmente, o que ele quer. Nem me acho submissa, muito menos desprovida de personalidade: ao contrário. Cada homem que me ama leva-me, sempre,a ser uma mulher que jamais conheci...
Não! Ela não revelaria a nossa protagonista a sua identidade. Deixaria-se desvendar.
- Durante anos amei um só homem.
Estavam deitadas ao sol, em frente ao mar, na manhã seguinte.
- Quantos anos?
- Nem sei, mas muitos... e houveram diversas interrupções. A cada uma, eu desbravava o vazio imenso que havia em mim na sua ausência, desbravava o vazio como quem procura por uma fresta de luz num quarto completamente escuro. E o que encontrava, a cada ausência dele...
- O que?
- Meus fantasmas. Todos!
- E que te diziam?
- Que eu o perdera para outra mulher, mais jovem e mais bonita. Isso desde que eu era jovem: já me sentia velha desde jovem...
- Teus fantasmas tinham sexo?
- Sim, eram mulheres. Claro. As vezes, eu notava um fantasma do sexo masculino, o do tipo abusador, dava-me medo a violência de que ele era capaz.
- Acha que as mulheres podem te assombrar mais do que um homem violento?
- Felizmente ele (o homem amado) sempre voltava aos meus braços, depois de suas aventuras com elas. E quando eu o tinha, sentia-me protegida dos fantasmas masculinos. Mas as mulheres eram sempre o potencial presente, constante, de repelí-lo de mim. Durante todo o tempo, foram elas as minhas maiores ameaças.
- Não me sinto ameaçada por mulheres, ao contrário. Sinto-me muito instigada por elas, como se com elas eu pudesse aprender tudo sobre o amor. Se meu homem tivesse outra, adoraria saber seus segredos de seduzí-lo...
- Quais são os seus?
- Gosto de ser, simplesmente, o que ele quer. Nem me acho submissa, muito menos desprovida de personalidade: ao contrário. Cada homem que me ama leva-me, sempre,a ser uma mulher que jamais conheci...
Assinar:
Postagens (Atom)