quinta-feira, 14 de julho de 2011

tête a tête

Não pudera deixar de notar suas rugas: aquela mulher tinha no rosto as marcas das milhões de vezes em que franzira a testa, das milhões de vezes em que sorrira, fechara os olhos, espirrara. Cada repetição de cada movimento de sua face jazia estampada em seu rosto. E seu rosto denunciava uma beleza de outrora. E na voz um tom de melancolia até charmoso. E no olhar, a curiosidade pela outra.

Não! Ela não revelaria a nossa protagonista a sua identidade. Deixaria-se desvendar.

- Durante anos amei um só homem.
Estavam deitadas ao sol, em frente ao mar, na manhã seguinte.

- Quantos anos?

- Nem sei, mas muitos... e houveram diversas interrupções. A cada uma, eu desbravava o vazio imenso que havia em mim na sua ausência, desbravava o vazio como quem procura por uma fresta de luz num quarto completamente escuro. E o que encontrava, a cada ausência dele...

- O que?

- Meus fantasmas. Todos!

- E que te diziam?

- Que eu o perdera para outra mulher, mais jovem e mais bonita. Isso desde que eu era jovem: já me sentia velha desde jovem...

- Teus fantasmas tinham sexo?

- Sim, eram mulheres. Claro. As vezes, eu notava um fantasma do sexo masculino, o do tipo abusador, dava-me medo a violência de que ele era capaz.

- Acha que as mulheres podem te assombrar mais do que um homem violento?

- Felizmente ele (o homem amado) sempre voltava aos meus braços, depois de suas aventuras com elas. E quando eu o tinha, sentia-me protegida dos fantasmas masculinos. Mas as mulheres eram sempre o potencial presente, constante, de repelí-lo de mim. Durante todo o tempo, foram elas as minhas maiores ameaças.

- Não me sinto ameaçada por mulheres, ao contrário. Sinto-me muito instigada por elas, como se com elas eu pudesse aprender tudo sobre o amor. Se meu homem tivesse outra, adoraria saber seus segredos de seduzí-lo...

- Quais são os seus?

- Gosto de ser, simplesmente, o que ele quer. Nem me acho submissa, muito menos desprovida de personalidade: ao contrário. Cada homem que me ama leva-me, sempre,a ser uma mulher que jamais conheci...

2 comentários:

  1. tô lendo um livro e, no meio, lembrei dessa tua última escrita. lá vai:
    "- Fale desse Marcelo. Seu Marido.
    - Marido?
    Já estou habituada: as mulheres explicam-se a si mesmas falando sobre os seus homens. Pois fosses tu, Marcelo, que me explicasses aos outros e eu me convertesse, nas tuas palavras, em criatura simples que cabe na fala de um único homem."
    (o livro: Antes do nascer do mundo, do Mia Couto)

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