queria que tivesse sido ontem, 17 de julho, data emblemática pra se começar: dia em que minha avó estaria renascendo mais uma vez. e de algum forma, pode estar, numa melhor, quem sabe...
começar pelo fim é das coisas que mais gosto na vida, e postar algo que sinalize esse dialético começo-fim faz todo o sentido. quando algo chega ao fim, no mesmo instante há um recomeço (um fio bebível de vida que é o de uma morte, segundo Clarice...)
Entao, o fim de seus aniversarios nesse mundo inaugura o início dumoutromundo.
Chá preto
Badaladas de relogio antigo
Televisao
Roda de amigas
Ela sempre brigando comigo
Ela sempre telefonando e oferecendo jantares
Banquetes
Cara feia se nao comermos muito
Cara feia se comíamos muito
Ela sempre se metendo na minha vida
Eu sempre a convidando a entrar na minha vida
Rápidas passadas pela sua casa: referencia do meu dia a dia
Cama e garagem sempre me esperando
Camisola, escova de dente: segunda casa
Quem me ajudou a crescer: segunda mãe
Tagarela, curiosa, preocupada: eterna amiga
Fotos em preto e branco, histórias de minha infancia, histórias de quem eu nao conheci: geração anterior a mim.
Viagens no tempo: ela realizando um tanto de seu passado vivido e nao vivido em mim, eu sempre precisando de seus olhos pedintes pelo meu futuro.
Uma se experimentando na outra: mistura de neta e vó.
Ciumenta, reclamona, enfática: mulher
Se sao nossas maes que nos sao guias para que enveredemos no caminho do feminino, foi com partes dela que eu fui sendo feita mulher.
Se sou hoje quem sou, a tive como modelo vivo e presente, testemunha de meus segredos.
Se sou hoje quem sou tive dela todo o amor que me fez assim, todo reconhecimento que me dá uma imagem nítida de mim.
Usei seus colares, chales, brincos e perfumes.
Brincava, pequena, com as roupas de sua loja.
Sempre a vi trabalhar e lutar por sua independencia, daí presumi o valor do trabalho.
Sempre a vi um pouco carente, daí presumi o valor das amigas.
Sempre a vi bagunceira, daí presumi de onde nasceu meu inevitável desleixo.
Sempre a vi sorrindo, lendo e ouvindo música, daí presumi sobre minha curiosidade pelo mundo.
Sempre a vi lamentar-se pelas perdas, a do filho que morreu principalmente, daí presumi que perder alguém dói.
Vou me dando conta do que é perder alguém de sangue do meu sangue.
Alguém que leva consigo tanta memória, tanta história de si e de mim mesma: será que tem alguma que ela nunca me contou, e que eu nunca mais vou saber?
Serei entao eu testemunha de seus segredos, mesmo os jamais revelados.
E quem testemunhou o maior enigma de todos, a morte, foi meu pai, ao seu lado no ultimo suspiro: daí presumi a importancia de se ter um filho.
A morte é a perda fatal, é a urgente necessidade de se transformar uma ausencia em lembrança.
É a presença de sua ausencia que me permite falar disso tudo.
É a presença de sua ausencia que permite uma boa invenção: o que levar dela consigo?
Quem a conheceu sabe do tamanho de sua vontade de viver, espero que seja essa quentura que se faça presente agora.
Nós aqui, quentes com a sua vida e com a paz que encontrou pra morrer. E ela?
Antes de morrer, ela chamou a prórpia mae. Será que é pra lá que voltamos, pro claor do amor materno?
bem, tenho certeza de que é esse calor que eu sempre vou levar comigo.
14/04/2010
Meu Deus do céu! Que lindo!
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