Sempre calada, Beatriz. A menina feita de giz. Pele branca, cabelos pretos, lábios rosados, mãos de papel. Nunca pintava as unhas, gostava de seus tons naturais. Nunca comia mais do que pedia sua fome, e Beatriz assim se mantinha esguia, sua brancura e magreza davam a impressão de que era quebradiça.
Mas Beatriz não se deixava quebrar. Ao contrário, era forte e cuidava bem dos próprios contornos (contornos bem riscados pra guardar o que tinha de mais precioso).
Estava sempre pronta pro afeto e pra renúncia, sempre pronta pra fazer aquilo que devia ser feito. Atenta ao próprio desejo, sempre muito atenta.
A menina passava inveja pras outras meninas de sua geração, ela que não se importava com o que achavam dela, não se importava com performances. Beatriz e atriz não rimavam pra ela. Nada de dramas, a vida é nua e crua. Se não há mais porque manter-se próxima de alguém, optava pela distância, pagando o preço de saber que o outro "deixado" a culparia sempre pela tragédia causada. Beatriz sabia que a culpa só daria a ela o peso de ocupar o lugar de responsável pelo sofrimento do outro. Não. A isso sempre soube dizer não.
O outro que chorasse sozinho, ela também faria isso. "Chorar é sempre solitário".
Diziam que Beatriz era feita de gelo. Blazé. Ela sempre caminhava pela rua em tons pastéis, sem olhar pros lados, sem sorrir à toa. Mas Betriz não se considerava blazé. Sabia amar, e quando se apaixonara, entregara-se por completo. Aquele homem que a queria sem a querer. Caminhava ereta, como se levasse o homem-inteiro dentro dela. Ela levava o toque dos lábios do homem. Levava o último toque a com ela a certeza da renúncia aos possíveis outros toques. Aquele haveria de ser o último!
Mesmo o amor, quando não condiz com a vida, não merece ser levado adiante. Amor-lembrança, que seja. Devanear é sempre poder se completar sem necessidade de ninguém. O devaneio sustenta o silêncio de Beatriz, sua força, a casca gelada e o sangue flamejando, o furor de buscar algo que faça sentido. O que quer Beatriz? O que faz sentido a ela?
Cansada das tragédias, encontrou enfim intensidade no amor simples. No amor cotidiano. Beatriz, instantaneamente, após ver-se colada aos braços do homem que a queria, que a podia (e prometia), disse então: "sei".
O saber que fazia daquela relação digna e forte, como era a própria Beatriz, fora feito de renúncia, feito de marcas, e especialmente de constatações de que muito do passado transforma-se em nada mais do que história.
Beatriz pensava no tempo enquanto andava em tons pastéis. Mãos de papel carregavam palavras de histórias de afeto escritas a giz. Podia ler as próprias mãos, Beatriz. Podia ler as mãos e enfim dar-se conta de que fora algo que agora não é. Beatriz é lenta e constante transformação. Beatriz é só movimento, movimento puro, pincelada, escritura de um livro mágico que se reconfigura a cada página. E diziam a ela, sempre, indignados: "estás ainda no começo da vida...".
Não há nem fim nem começo para Beatriz. Há o sempre.
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