quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Viajo porque preciso, não volto porque Te Amo

Quarto de hotel, longos minutos, tempo abafado.

Dois amantes em silêncio, lado a lado, numa cama já saudosa, cobertos pela certeza do impossível.

Despedir-se é certo e necessário, deixar que a despedida aconteça é prova de amor.
E eles sabem disso.

Ela ensaia pronunciar qualquer vogal, qualquer consoante. Vem apenas um sopro de ar, vazio de palavras, apenas as reticências se fazem escutar...

Ele tortura-se com a pergunta que lhe certificará daquilo que sabe, mas se nega a saber (ela sempre fora mais forte que ele). Tateia o escuro, tentando, ao dizê-la, encontrar uma luz: VOCÊ VOLTA?

Ela sabe que não voltará para ele, e lhe vem um choro que a impede de dizer seu "não", tão sonoro e enfático seria dizer: NÃO.

Mas não diz. Sussurra apenas o óbvio, quase-afogado pelas lágrimas: DÓI DEMAIS TE DIZER ADEUS.

Longo abraço. Sem palavras de amor, sem sussurros, sem soluços. Tão perfeito, que se anseia por sair.

E do silêncio, nasce um ser estranho: nem bonito, nem feio.
Uma espécie inusual, que soma dois movimentos opostos - um de esperança, outro de perda brutal e absoluta.

Estranho fruto esse, que nasce dos amores impossíveis: germina da dor, cresce na distância, toma forma fantasiosa. Sua morte é sempre misteriosa. Talvez seja o único ser de vida eterna, filho de um útero vazio.

E é ela, afinal, quem se despede e caminha à porta, sem olhar para trás.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O Estrangeiro

e pelas frestas da janela de casa, que emoldura a cidade natal, sonha-se com uma pequena e redonda janela de onde só se vê o céu, sem resquício algum de vida aterrisada.

e escutando o som longínquo dos carros pelas ruas de todos os dias, sonha-se escutar apenas turbinas - um ruído que se arraste por boas nove horas consecutivas até terminar num país desconhecido.

passos pelo chão em que se jamais pisou: o aeroporto internacional em que se acorda é a porta aberta ao idílico mundo do Estrangeiro.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Lendo em lugares públicos

Chove uma chuva fina, mas tão fina a ponto de cada gota parecer um quarto de floco de neve. E eu dentro da padaria, tentando ler um livro ao som de urros de crianças incomodadas, tirando os olhos do livro a cada dois minutos preocupada em saber o que incomodava tanto as crianças.
E me vem um pensamento: nossa, as pessoas andam tendo filhos em agosto! As grávidas querem parir em um mês frio?
Pois as crianças todas aparentavam ter um ano... um mini-japonês chorando no meio dos pais que se entreolham irritados, um outro loiro de cabelos cacheados em meio a três mulheres tagarelas. Reclama que quer alguma coisa que nenhuma das três, descabeladas, adivinha!
Mas o homem jovem com a filha no colo parece sereno. Ele toma um café com pão de queijo, ela tem entre as mãos uma rosquinha de polvilho que mete na boca sem morder, e tira da boca toda babada, a rosquina e a mão. Sim, se fosse apenas aquele casal de pai e filha na padaria, eu poderia ler!
E eis que todas as crianças barulhentas e seus pais atolados em fadiga e irritação saem da padaria, e apenas sobram algumas mesas, agora mais silenciosas, e o pai e a filha continuam alí, comendo sossegadamente. Milagre?
Eu volto a ler.
Mas um tanto impulsivamente, olhando por cima do livro, vejo que algo daquela perfeita harmonia entre os dois se desfaz de uma vez: ele a tira do colo, postando-a no cadeirão que a garçonete trouxe gentilmente, querendo ler um pouco do jornal. E ela?
Reclama!
Chora, joga-se no chão, atira para bem longe a rosquinha. O pai, ainda calmo, aponta para a rosquinha e a manda buscar, já! Vá buscar já! Aquele gesto impetuoso, apontando para a rosquinha, olhando a menina fixamente, e ela?
Recusa-se.
Eu volto a ler meu livro, sem sucesso, pois dou-me conta de que passei os olhos por várias palavras que simplesmente não li. Desisto, e fecho o livro. Decido assistir a tal cena, quem vencerá? Ela ou ele?
Ele a pega no colo à altura de seu rosto, explica algo, a rosquinha ainda jogada num canto. Ela não olha para ele, debate-se entre suas mãos como um pintinho querendo sair de dentro de uma caixa que o contém.
Ele, já parecendo sem forças, desiste de botá-la na posição cara a cara e abraça-a, então, deitando sua cabecinha sobre os ombros dele. Um minuto de abraço...e ela?
Acalma-se.
Volta a sentar quieta no colo do pai, ele (que já renunciou ao seu jornal) busca a rosquinha e põe em sua mão. Novamente, recusa! Mas ele, dessa vez, compreende perfeitamente: parte um pedaço da rosquinha e dá em sua boca. E ela?
Come.
Na boquinha. No calor do colo do pai. Na alegria de ter vencido o homem tão grande e tão babão.
Eu desvio o olhar, meio cúmplice da pequena, um leve sorriso no meu rosto, e me volto para a televisão que esteve ligada o tempo todo e que - só agora - eu notava. Clima tempo: em Porto Velho estava fazendo 38 graus! E aqui, pela janela, aquela chuva fina de agosto, todo mundo enfiado na padaria com os cachecóis pendurados nas cadeiras.
E quando volto os olhos novamente para a mesa da frente: já se foram.
Só um mesa vazia... e eu?
Volto a ler meu livro, em paz, com uma espécie de tristeza por tê-los perdido para sempre.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Tarde

Ela chega em casa tarde, estaciona com o taxi na esquina e pede a ele que desligue a chave devagar, demora-se alguns minutos no inteiror protegido do automóvel, contando moedas.

Sai cuidadosamente, mal bate a porta e coloca-se a caminhar nas pontas dos pés, os saltos de madeira apenas corroem o chão, como um pequeno roedor quase saciado.

Dissipa-se, como se fosse milhares dela mesma, sente o ar fresco da madrugada, o quintal pertence todo a ela, as luzes apagadas da casa a colocam estreita à sensação majistral de pleniude.

A casa era dela naquele momento!

Abre, desajeitada, a fechadura, efeito de álcool ainda em seu sangue que corria quente, entra sem respirar. Boicota o próprio som de seus passos num quase-engatinhar mudo. Ela era como uma gata da noite: vestia-se de preto, festiva, as pernas magrelas envoltas pela turva meia-calça avançavam pela sala.

O corpo era dela, e mudava.

Respira um tanto ofegante, acaba eletrizando mais ondas sonoras do que gostaria, falta-lhe controle sobre os próprios movimentos. Os membros mesmo, a cada dia mais cumpridos, causavam nela um efeito de desconhecimento do próprio espaço que ocupa. Os anos da adolescência chegavam.

As luzes de cima se acenderam.

Pode então enxergar-se luminosa, a lâmpada da escada a flechava em alvo certeiro, as pernas é que ficavam iluminadas como se fossem desvendadas. Sobressalta-se, enxerga de longe o vulto Dele no topo das escadas.

O pai desce. Dá-lhe uma ralada. Ela não se defende.

Ela de cabeça baixa, culpada, retorcida em sua própria sensação de infidelidade permanece em frente dele, imponente. De pé em ângulo de 90 graus, ele está sério, e o olhar inquisitivo aos poucos vai sendo substituído por um de decepção.

Sim, sua menina estava crescendo. E ele a perderia para o mundo. Seu drama se confirmava naquela noite, a primeira em que teve de esperar acordado a filha voltar da festa.

Tarde demais para ele.