quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Tarde

Ela chega em casa tarde, estaciona com o taxi na esquina e pede a ele que desligue a chave devagar, demora-se alguns minutos no inteiror protegido do automóvel, contando moedas.

Sai cuidadosamente, mal bate a porta e coloca-se a caminhar nas pontas dos pés, os saltos de madeira apenas corroem o chão, como um pequeno roedor quase saciado.

Dissipa-se, como se fosse milhares dela mesma, sente o ar fresco da madrugada, o quintal pertence todo a ela, as luzes apagadas da casa a colocam estreita à sensação majistral de pleniude.

A casa era dela naquele momento!

Abre, desajeitada, a fechadura, efeito de álcool ainda em seu sangue que corria quente, entra sem respirar. Boicota o próprio som de seus passos num quase-engatinhar mudo. Ela era como uma gata da noite: vestia-se de preto, festiva, as pernas magrelas envoltas pela turva meia-calça avançavam pela sala.

O corpo era dela, e mudava.

Respira um tanto ofegante, acaba eletrizando mais ondas sonoras do que gostaria, falta-lhe controle sobre os próprios movimentos. Os membros mesmo, a cada dia mais cumpridos, causavam nela um efeito de desconhecimento do próprio espaço que ocupa. Os anos da adolescência chegavam.

As luzes de cima se acenderam.

Pode então enxergar-se luminosa, a lâmpada da escada a flechava em alvo certeiro, as pernas é que ficavam iluminadas como se fossem desvendadas. Sobressalta-se, enxerga de longe o vulto Dele no topo das escadas.

O pai desce. Dá-lhe uma ralada. Ela não se defende.

Ela de cabeça baixa, culpada, retorcida em sua própria sensação de infidelidade permanece em frente dele, imponente. De pé em ângulo de 90 graus, ele está sério, e o olhar inquisitivo aos poucos vai sendo substituído por um de decepção.

Sim, sua menina estava crescendo. E ele a perderia para o mundo. Seu drama se confirmava naquela noite, a primeira em que teve de esperar acordado a filha voltar da festa.

Tarde demais para ele.

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