Chove uma chuva fina, mas tão fina a ponto de cada gota parecer um quarto de floco de neve. E eu dentro da padaria, tentando ler um livro ao som de urros de crianças incomodadas, tirando os olhos do livro a cada dois minutos preocupada em saber o que incomodava tanto as crianças.
E me vem um pensamento: nossa, as pessoas andam tendo filhos em agosto! As grávidas querem parir em um mês frio?
Pois as crianças todas aparentavam ter um ano... um mini-japonês chorando no meio dos pais que se entreolham irritados, um outro loiro de cabelos cacheados em meio a três mulheres tagarelas. Reclama que quer alguma coisa que nenhuma das três, descabeladas, adivinha!
Mas o homem jovem com a filha no colo parece sereno. Ele toma um café com pão de queijo, ela tem entre as mãos uma rosquinha de polvilho que mete na boca sem morder, e tira da boca toda babada, a rosquina e a mão. Sim, se fosse apenas aquele casal de pai e filha na padaria, eu poderia ler!
E eis que todas as crianças barulhentas e seus pais atolados em fadiga e irritação saem da padaria, e apenas sobram algumas mesas, agora mais silenciosas, e o pai e a filha continuam alí, comendo sossegadamente. Milagre?
Eu volto a ler.
Mas um tanto impulsivamente, olhando por cima do livro, vejo que algo daquela perfeita harmonia entre os dois se desfaz de uma vez: ele a tira do colo, postando-a no cadeirão que a garçonete trouxe gentilmente, querendo ler um pouco do jornal. E ela?
Reclama!
Chora, joga-se no chão, atira para bem longe a rosquinha. O pai, ainda calmo, aponta para a rosquinha e a manda buscar, já! Vá buscar já! Aquele gesto impetuoso, apontando para a rosquinha, olhando a menina fixamente, e ela?
Recusa-se.
Eu volto a ler meu livro, sem sucesso, pois dou-me conta de que passei os olhos por várias palavras que simplesmente não li. Desisto, e fecho o livro. Decido assistir a tal cena, quem vencerá? Ela ou ele?
Ele a pega no colo à altura de seu rosto, explica algo, a rosquinha ainda jogada num canto. Ela não olha para ele, debate-se entre suas mãos como um pintinho querendo sair de dentro de uma caixa que o contém.
Ele, já parecendo sem forças, desiste de botá-la na posição cara a cara e abraça-a, então, deitando sua cabecinha sobre os ombros dele. Um minuto de abraço...e ela?
Acalma-se.
Volta a sentar quieta no colo do pai, ele (que já renunciou ao seu jornal) busca a rosquinha e põe em sua mão. Novamente, recusa! Mas ele, dessa vez, compreende perfeitamente: parte um pedaço da rosquinha e dá em sua boca. E ela?
Come.
Na boquinha. No calor do colo do pai. Na alegria de ter vencido o homem tão grande e tão babão.
Eu desvio o olhar, meio cúmplice da pequena, um leve sorriso no meu rosto, e me volto para a televisão que esteve ligada o tempo todo e que - só agora - eu notava. Clima tempo: em Porto Velho estava fazendo 38 graus! E aqui, pela janela, aquela chuva fina de agosto, todo mundo enfiado na padaria com os cachecóis pendurados nas cadeiras.
E quando volto os olhos novamente para a mesa da frente: já se foram.
Só um mesa vazia... e eu?
Volto a ler meu livro, em paz, com uma espécie de tristeza por tê-los perdido para sempre.
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