“Na verdade, tendemos, com o passar dos anos, ao lado mais difícil do ato de escolher. Nada é mais incomodo do que ter de escolher a cada momento- como beber o uísque, qual lado da cama ocupar etc .Por isso mesmo, quando jovens, aceitamos praticamente tudo, fugindo à escolha através de uma tolerância enorme. Estamos tateando ainda o corpo amorfo das coisas, suas texturas e perigos, e o das outras pessoas, os seus disfarces, a sua ameaça velada, mas sem nos comprometer demais. De tudo experimentamos, curiosos, como se fossemos sempre sobreviver àquela escolha, como se não fosse nunca decisiva. Com a idade, ao contrario, nos tornamos marionetes de escolhas antigas e carregamos em nosso dia-a-dia os fósseis de comportamentos cuja origem já não podemos lembrar. Em vez daquela suspensão característica de quando somos novos, livramo-nos do suplício de escolher obedecendo cegamente a tais escolhas. Por isso a velhice tem essa gravidade irrevogável, quase animal uma boa fatia do idoso permanece aquém de seu próprio controle, definitivamente automatizada. Não é tanto a proximidade da morte, mas a incapacidade de distanciar-se dos próprios automatismos o que faz com que velhos humanos lembrem animais muito velhos".
In: Nuno Ramos, Ó
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