sexta-feira, 20 de agosto de 2010

vontade de violência e de ser violentado...

Ele - Hoje eu vim aqui pra reclamar, pra que vocês me olhem!!! Voces sao uns negligentes!! Quero denuncia-los, psicólogos de merda!!

Eu - (silêncio, perplexidade)

Ele - (grita alto pela instituição) Psicólogos de merda!!! Pensam que sabem como eu sofro? Pensam que sabem pelo que eu estou passando? Nao consigo me organziar, nao consigo nem cuidar de mim mesmo!!! não tomo banho, emagreci muito, olha só! (exibe a barriga chupada)

Eu- vamos conversar em um lugar mais reservado (fecho a porta da sala). O que poderiamos ter feito? tentamos telefonar, até pensamos em ir a tua casa... você sumiu...

Ele- (ainda grita) porque eu não estou conseguindo vir!!! E não venha se defender, a responsabilidade é de vocês! E eu não sei se iria recebê-los em minha casa! Não confio em vcs!!

Eu - (baixando o escudo que automaticamente levantei frente a uma fala agressiva como essa)porque será que falhamos com isso? não somos perfeitos, às vezes é dificil confiar em quem não é perfeito....

Ele - (mais calmo) é, vocês realmente não sabem do que eu preciso....

Eu- do que você precisa?

Ele - que cuidem de mim!!

Eu - (em conflito - culpa por nao ter cuidado direito x mas que espécie de cuidado impossivel ele quer?)
como podemos cuidar de você agora?

Ele - quero ser internado! ficar sob vigilancia 24 hs, remédios 24 hs, quero poder não ter nenhuma escolha porque tenho medo de fazer mal a mim mesmo. vocês nem sabem, mas eu ando me colocando em risco!!!

Eu- não sabemos pois você nunca nos conta...

Ele - e nem vou contar!!!! não quero que vocês saibam de minha intimidade!

Eu - (posta em cheque em minha função de psicóloga, na minha maneira de fazer vínculos de confiança e no meu adequamento às regras de funcionamento daquela instituição). Então é de outro cuidado que você precisa, de um contenção, e não que investiguemos com você tua vida íntima a fim de ajudá-lo a refletir sobre o que está acontecendo....
( como falar de intimidade se ele diz que é impossivel confiar?)

Ele - isso mesmo... mas tudo bem... eu posso dizer que estou atravessando a rua sem olhar, corro sempre o risco de ser atropelado, uso cocaína todos os dias, ando dando por aí sem preservativos... e não por uma vontade minha (não?), mas porque não tenho mais escolha, tudo o que aparece na minha frente eu vou tragando....

Eu - o tratamento aqui proposto você nao consegue tragar, não é? (ainda me questioando sobre o " tratamento aqui proposto".)

Ele - Olha, querida, eu não quero ofendê-los aqui, não quero causar problemas, só quero brigar pelo que é meu! que me levem a sério! vou precisar denunciá-los por isso...

Eu - (parece que ele queria mesmo era denunciar-se... mas com que intuito?) ok, você pode fazer isso se sente que sua verdade será levada em conta, é isso que importa afinal de contas, que sua verdade ganhe voz, e se for necessária uma queixa registrada, que seja... mas porque não falar disso diretamente a nós, já que está aqui conosco? você está aqui agora!

Ele - (vacilante) prefiro denunciar a clínica e depois me internar. poderia ter ido sozinho, mas vim aqui antes informá-los!

Eu - (sua atitude de vir nos informar é um pedido de ajuda?) você quer que o ajudemos a se internar?

Ele - quero! mas voces não podem me manter preso lá!!!! (paradoxo: confiar no outro é um pedido de parceria ou de submissao à "autoridade dos psicólogos de merda"? )

Eu - porque faríamos isso?

Ele - já fizeram isso comigo muitas vezes, quando eu resolvo dar um voto de confiança à alguém abusam de mim, distorcem tudo, falam de mim como se eu fosse bandido. e eu não tenho mais relações com niguém, ninguém me aguenta e eu não aguento mais ninguém (chora).

Eu - você pode ter certeza de que nosso interesse com você é ajudá-lo a passar pelo que você está passando...

Ele - vocês querem manter-me louco! pra que ganhem o dinheiro de vocês!!

Eu - nosso trabalho é ajudá-los para que partam, e novas pessoas cheguem. (quero muito acreditar que trabalhamos contra qualquer reprodução de um manicomio, mas será que isso que ele diz tem algum fundo de verdade?). você sem se tratar é que tem se mantido louco....

Ele - preciso de um remédio! rivotril pelo amor de deus, quero me acalmar para não falar mais assim com vocês.

Eu - dá-lhe um comprimido de rivotril! (mais calma em alguns minutos, como é bom o remédio em parceria com essas conversas que beiram o impossível....)

Ele - vou comprar uma coca-cola e bolachas. vem comer comigo!

Eu - (o que é isso agora? convite pra comermos do mesmo pão? isso é sedução? pedido de desculpas? tentativa de amor? tentativa de tragar-me também? sinto-me abusada...) Não, obrigada. Fico feliz de que está calmo, vamos estudar as possibilidades de internação pra você, ok?

Ele - come, deita e dorme.

(continua em um próximo capítulo, quem sabe...)

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