quarta-feira, 20 de abril de 2011

lembranças

Lembro-me dele fazendo a barba, aquele zunido do pequeno motor do aparelho de barbear alastrando-se pela manhã.
Lembro-me de escutar ansiosa o motor do carro dele chegando pela rua, eu já arrumada com uma roupa bem bonita, sentido-me sempre meio feia.
Lembro-me da espera: a primeira dor que senti na vida.
Esperar sem saber até quando e sem saber os motivos da demora. Porque o tempo na infância parece sem fim e da mesma maneira passa tão rápido? E quando ele chegava, ah! Era o momento em que eu sentia que sim, tinha dele muito amor, e era apenas isso o que eu queria.
Lembro-me do silêncio, sentar a sua frente e não ter o que dizer, mesmo querendo dizer um monte de coisas. Meu coração se apertava feliz com a curiosidade dele sobre a minha vida, que aumentava quanto mais eu me mantinha muda diante dele.
(Minha primeira experiência de poder ser mistério pra um homem).
Lembro do soar das bolas de tênis pingando na quadra, eu sozinha esperando no banco. Novamente, a espera. E na espera eu aproveitava pra dizer a todos que passavam que eu estava lá simplesmente porque esperava-o. Havia um ar de comoção nas pessoas que notavam a fascinação que eu tinha por ele, e nisso eu reconhecia em mim uma mulher que surgia a cada dia.
(sim, eu era capaz de capturar as pessoas)
Lembro-me de como EU soava na voz dele, era o único que inventava nomes pra mim a cada vez que me via. Sua voz tão espontânea como o bater do meu coração em sua presença...
Lembro-me de minha desilusão no dia em que escutei, por acaso, ele me chamando de boba a alguém. Eu na minha insegurança adolescente, tentando reencontrar-me em um mundo tão novo (em que eu parecia ainda não caber) e ele lamentando-se de mim por trás de minhas costas.
A segunda grande dor da minha existência.
Lembro-me dele com o choro entalado, querendo me poupar da dor de perder algo, tão desastrado, tão despreparado pra lidar com o sofrimento de uma mulher. E nesse momento eu pude ver nele um menino tão frágil. Justo no herói da minha vida toda, justo no homem que me deu o primeiro colo seguro e a primeira grande saudade.
(a grande queda)
E a experiência da solidão e da busca pelo amor toma enfim seu trajeto mais certo, graças a cada momento longe e a cada momento perto de meu pai.

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