sábado, 9 de outubro de 2010

o gosto do vivo

Pontada.
A primeira sensação é a de pontada no peito (e também no estômago), algo que a impele à...
Inquietude.
"Estás impelida a que, mulher? Sair do conforto?"
Medo.
Vem uma paralização familiar, aquela que geralmente ganha força e mata a inquietude. A pontada então fica tida como algo puramente corporal, um mal estar que deveria sumir. Ela queria se livrar daquela pontada dolorida com algum remédio que a chapasse de vez!
Princípo de constância.
Ele age sem dó, e a deixa sem movimento, anulada, anestesiada do que a impele à...
"Até quando se pode negar aquilo que pulsa? Até quando?!"
Pulsação.
É o coração agora, apontando novamente para fora. O pensamento que vem desta emoção a ridiculariza completamente:" idiota, cretina! Faça algo! Saia da cama, ande desorientada pela rua, quaquer coisa que oxigene esse corpo quase amorfo. Voce está confundida com sua própria cama. É teu leito de morte?"
Angústia.
Agora ela veio e não passa mais, não há nada a fazer, a angústia vem quando se esboçam estas palavras do pensamento. A palavra, mesmo pensada, já tem esse eficaz efeito de impedir a paralização e dar um nome a próxima ação que precisa ser tomada.
Significado.
" Eu podia mesmo era ligar pra alguém que eu goste...preciso de ajuda pra me mover."
Amor.
Aí está o primeiro movimento para fora!! Ela conseguiu procurar alguém, fez contato, contagiou alguém com sua voz meio sonambula, meio trêmula, meio demandante: " queria sair pra algum lugar, vem comigo?"
Confirmação.
A outra vai! A amiga, ela vai! Agora são duas as pessoas que fazem parte desta história que começou na primeira pontada no peito e no estômago. (Dois corpos contém estes órgãos). A angústia se ameniza, a amistosidade vai ganhando corpo, o medo também ameniza porque a companhia dá confiança.
O levantar da cama.
Momento emblmático. Ela sai, toma banho, escolhe uma blusa preta que deixa a mostra um de seus ombros " até que tenho ombros sensuais...". A idéia de ser sensual aguça seu olhar ao espelho. Maquiagem preta nos olhos. Quem é ela?
Máscara.
Sente que não é ela. Pode sumir no meio dos outros, desaparecer do mundo? Como a verão? Mulher linda? doente querendo se fazer de normal? Louca varrida implorando uma muleta pra fazer algo? " Sou ridícula, sou ridícula...'
Garganta.
Pronto, agora a pontada volta pela garganta e sobe aos olhos... Primeira lágrima, segunda, terceira... borra os olhos. Lágrimas negras escorrem pela maçã do rosto. Quem é ela?
Desfiguração.
"Se eu sair como outra, será que consigo? Esta que não sou eu, esta outra de maquiagem nos olhos que chora por se ver diferente". Ela estava bonita, simplesmente. Há quanto tempo tinha desacreditado de que era bonita? Sua figura atual era, esta sim, uma desfigurada. Apática, nem feliz nem triste: inerte. Mas lembrou-se então de que a primiera pontada veio dela! Foi seu corpo que gritou algo em silêncio! Seu corpo.
Reconhecimento.
"Sou eu, querida, estou te esperando aqui na frente do seu prédio". Ela ouve a voz da amiga que a aguarda. Alguém a aguarda. Alguém a aguarda. Sua presença é finalmente assunto da vida de outra pessoa. Limpa os olhos, vai sem maquiagem!
Mundo lá fora.
Os olhos vêem gente, ela respira o ar fresco da noite, a janela aberta do carro a permite degustar o vento. Tem um gosto bom...

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