domingo, 1 de maio de 2011

editando sons

o barulho seco do salto no assoalho de madeira, uma graçonete que caminha decidida.

a suavidade das páginas de um livro sendo, vagarosamente, viradas - quebram o silêncio da solidão que envolve a leitura
(sim, é tão suave a solidão quando a escolhemos).

barulho dos brincos de cristal posando na mesa de cabeceira, dos cabelos sedosos dentre os dentes de um pente, dos lençois da cama sendo tateados por um corpo que pede sono.
(chegar em casa é a cura de todo o excesso de peso que um mundo causa)

o estralar dos ossos na primeira espreguiçada matinal, tocar os pés no tapete, a maçaneta que soa hesitante...
(sair do quarto é tão custoso na segunda-feira).

bolhas ferventes na chaleira, tilintar de talheres, dedos tocando a mesa em espera ansiosa
(prenúncio de um dia sem tempo - e sem silêncio).

a água do chuveiro caindo sobre o corpo, o esburrifo do perfume
(prenúncio de alívio, romance ao fim do dia).

respirar.

os gemidos do amor que se confundem com choro - fazer amor é chorar porque é também o transbordamento do invisível que nos preenche.
(o corpo transbordando toca sua orquestra de dores e prazeres).

quando se repara bem, dá pra notar que a vida tem os sons do cinema!
e pode-se viver todos os dias tocando levemente o que não é real, como numa dupla vida...

(homenagem a Krysztof Kieslowski)

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