segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

outros sonhos

Teria te amado naquelas épocas de telefone de fio, linha ocupada, carro Monza, férias de janeiro no Guarujá.  Eu e você perdidinhos pela praia.
Teria te amado nos tempos de escola, quando as meninas assustavam, e eu queria um menino pra andar de mãos dadas. Teria sido você? Nós dois de sorrisos tortos, olhando pra baixo, cadarços desamarrados, teria te amado até sem saber.  Estudaríamos juntos, tentando beijos desajeitados por cima dos livros.
Depois, teria te amado no topo daquela pedra no meio do Brasil, eu viajando por entre as matas e desbravando o mundo pela primeira vez. Teria até te amado assim, sem mais nem menos, se estivesse vidrada num gringo qualquer, desses grandes aventureiros da vida que sempre desafiaram meu conservadorismo.
Será que teria te amado quando odiei todos os homens, quando ensaiei lesbianismos, quando ensaiei aquela independência forçada? Embebida de autosuficiência, te teria rejeitado enquanto confundido com meu próprio apelo. E na desconfusão, lembraria-me então dos príncipes encantados de minha infância, das minhas doces brincadeiras de mamãe e filha que, vez ou outra, fingiam um papai que chegava e saía. 
Os homens sempre chegavam e saíam. Eis a experimentação da inconstância masculina, que durou toda uma vida.
Teria te amado sim, porque já te amava sem experiementá-lo. E quando topei, enfim, com a realidade de tua existência, não hesitei. Amei-te. E sua doce constância se instalou, e toda a experiência anterior se transformou de vez: o sonho não é real. Mas a realidade inspira os mais diversos sonhos. Outros sonhos. 

domingo, 22 de dezembro de 2013

prenúncio de chuva de verão

Pois as vezes a vida anda meio torta
e, por dias, nada parece voltar ao centro
minutos duros contados um a um
preenchem horas de angústia

e quando cai uma chuva
a noite, depois daquele frenési
calor desnaturado de dezembro
tudo volta ao seu lugar.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

para que te quero?

para que te quereria se não para longas horas de sol e mar?
tomar-te em meus braços e acariciá-lo
abraçar tua pequenez e fragilidade
ensinar-te uma vida menos fácil, menos dada
acompanhá-lo nas mazelas do desenrolar de tua existência.

para que te quereria se não para ser meu?
e para lidar com a intensidade do mundo
que serás mais teu dono do que eu
pois certamente perderei  a posse
que fantasio e que, sem dúvida,  jamais terei.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

esterilidade

engravidar-se de sonho
e esperar pelo parto

é como um gemido de amor
que fenece em tédio

apostar na sinceridade
tem se provado inútil

porque a vida, ouvi outro dia,
é mesmo um grande teatro

nada na realidade
é tão fértil quanto um sonho

se sonhei um dia,
será que acordei vazia?


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

des

E num estado de completo des-socorro
caio em mim
sou ser de extrema fragilidade

pois é nessa derrelição
que seu domínio
vira meu único destino

desando
desencanto
desdigo o que disse

destinada que sou
aos teus descaminhos.

sábado, 14 de setembro de 2013

aos 30

assistindo Rock 'n Rio em casa

sábado, 20:34
calor primaveril

Sebastião Salgado acaba de me emocionar
Procurou e registrou lindamente santuários terrestres
esteve em cada "madre tierra" do planeta

20 seconds to mars
What the hell??
As bandas de hoje em dia não são como as de antigamente


não acordei com a obra
nem com o trânsito
hoje, sábado
cada dia um sábado mais próximo de meu mês de outubro

já vou me despedindo
da vista aberta de minha janela
Dos ataques histéricos em shows
Dos grandes e cansativos eventos pops
doa altos e baixos que emocionam os vinte anos

E aos 29 com retorno de saturno
Decidi começar a viver
Despeço-me de Renato Russo
da deliciosa sensação de não ter responsabilidades

E vou daqui
à grande Real!

sábado, 7 de setembro de 2013

crônica: antes do primeiro carro


Todos os dias ao meio dia e meia,  eu me postava ali na exata esquina da rua Tamandaré com a Castro Alves. A mochila dependurada num dos ombros, algo entre as mãos. Não me recordo se nessa época usávamos telefone celular. Ou se eu carregava um walk man/ disk man, qualquer desses aparelhos que hoje só existem em antiquário, ferro-velho, ou na casa desses colecionadores de relíquias do século XX.
O milênio há pouco havia mudado. Essa nova era se impunha diante de mim como uma monstruosa perspectiva de futuro. Nos anos dois mil eu não só alcançaria minha década dos vinte, como também teria meu primeiro vislumbre da circulação independente pela cidade. São Paulo era um monstro que se transfigurava a cada dia! A cada falha de atenção, prédios novos, ruas, mãos de ruas, tudo ia mudando de tempos em tempos sem aparente motivo. Sempre acreditei eu que os motivos das ininterruptas transformações de SP tivessem a ver com um projeto pensado pra cidade. Pra que o transito fluísse mais rápido, pra que os habitantes se acomodassem melhor por essa selva. Hoje em dia, creio piamente que a companhia de engenharia de tráfico tenta atrapalhar o transito o máximo possível e levar-nos a loucura extrema pra que saiamos, as pressas, pra outros centros urbanos. Quem sabe.
São Paulo se agigantando e eu ali, na pequena esquina do bairro da Liberdade, com um frio no estômago que também se agigantava É difícil imaginar a imensidão e complexidade do transito quando seu pequeno transito foi da sala de aula ao banheiro, depois a lanchonete e sala de aula novamente. Todo meu mundo cabia naquela mochila de livros, cadernos e elásticos de cabelo esquecidos. As vezes um brinco sem par, uma garrafa d`água, lápis sem ponta, agenda super-lotada. Encarando meus próprios sapatos, levo um susto quando sou abordada pelo carro que estaciona em minha frente, uma leve buzinadinha que me desperta num susto. Um Golf Verde, como era lindo! Pulo eufórica para o banco de motorista e meu avô condutor se realoca para o banco de passageiros.
Era eu, pela segunda vez, que dirigiria o Golf de vovô até  sua casa, no Morumbi. Meu velho avô estava se aposentando, querendo aproveitar as coisas da vida antes que fosse tarde. Diferente da minha, sua perspectiva de futuro ia diminuindo gradativamente. Fez essa resolução de me buscar todos os dias no cursinho pra me fazer praticar a direção. Eu já havia passado pela jornada fatigante da auto-escola e conseguido, sem propinas, uma carta de motorista! Mas isso não me era suficiente para dissipar o nervosismo. Vovô é do tipo que briga quando alguém faz alguma grande besteira. Do tipo que fica se lamentando pela possibilidade de burrice alheia. Quando lia o jornal, ridicularizava todos os personagens que faziam parte dele. Só mesmo depois de ter me tornado psicóloga é que fui entender que vovô não era, de fato, o dono da verdade. Só se fazia ser porque era um grande vaidoso. Se há loucura familiar no mundo, ela em geral ocorre quando há um grande vaidoso na família. Meu avô.
Eu tinha medo de errar uma coisa estúpida,  engatar a primeira na subida e bater no carro de trás, ou não conseguir trocar de faixa, deixar o carro morrer em lugares muito movimentados. Mas meu avô não deixava de estar ali, todos os dias, sem falta. Empenhou-se de coração em deixar-me conduzir o Golf Verde, como se fosse meu carro. Naqueles tempos iniciávamos uma série de viagens de carro da Liberdade ao Morumbi. Coisa de gente grande.
Naquele dia, a viagem se iniciou sem grandes problemas, vovô bem humorado tentando adivinhar o que vovó estaria fazendo de almoço. A rádio sempre sintonizada na cultura, musica clássica. Para meu avô, toda e qualquer outra musica que tocasse em toda e qualquer outra rádio não passava de um grande ruído. E, de grandes e tortuosos ruídos, já estávamos fartos dentro do transito paulistano. As subidas e faróis vermelhos do bairro da liberdade deixavam-me totalmente aflita. Meu avô sempre gritava: usa o freio de mão! Mas ainda não me era automático usar os pedais e o freio de mão ao mesmo tempo. Eu, fora de sintonia com o carro, tinha por vezes vontade de desistir e continuar usando o bom e velho metro, ônibus. Ou as caronas. Mas o chamado da independência que urge aos dezoito anos era mais forte.
Até muito perto da 23 de maio, tudo ia saindo bem. Meu avô orgulhoso de mim, tranqüiliza-se a medida que nos aproximávamos de sua casa, cantando junto com a musica. Ópera. Mas quando a sensação é de extrema potencia, algo mostra-me que , na vida, não há ilusões. Eu não era, afinal, uma condutora experiente. No acesso à 23, uma ligeira curva seria meu primeiro grande erro. Bati.
Nem me lembro bem, bati sem mais nem menos, fiz uma curva meio reta, ou talvez torta demais. O fato é que o outro condutor, ao ver a minha cara de menina, minhas pernas magras tremendo de medo, começa a brigar com  meu avô. É ele o responsável pela pirralha desastrada? Por minutos, fico em silencio e deixo que os dois ali resolvam a situação. Mas quando o tal  chama meu avô de irresponsável, utilizo-me pela primeira vez da carta de motorista: era só uma permissão temporária, mas era oficial. Daí, tudo mudou, e meu avô e eu nos resolvemos com o tal estressadinho. Briga terminada, Peco chorosa ao velho que dirija pelo resto do caminho. Depois daquilo, eu não podia mais. Só que ele, como bem se havia instruído do cargo de professor, volta ao banco dos passageiros e me abre o sorriso mais bonito que já vi. “Pra acertar, é preciso errar algumas vezes”. Ditado de vovô. Meio clichê, pode-se dizer, mas serviu pra que eu adentrasse a vida adulta sem tantos ruídos e frios no estômago. 

domingo, 1 de setembro de 2013

Luz

Presenciei o florescer do ipê amarelo

Neste ensolarado primeiro de setembro

E por trás dele, soparava um vento de fuligem

Tingindo de pintas pretas o azul do céu

É o que se espera:

Umidade baixa, incêndios frequentes ao redor

Quanta luz, quanto calor

Que podemos fazer desse mundo

Em que nada nos vem a luz?

Este mundo

tão descrente dos próprios governantes

É o que se diz:

fome de poder

jamais poderá ser política

Afinal,

Haverá flores

Nesta primavera?


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Idade

de erro em erro, vai se trilhando um caminho certo.
e isso só se sabe depois
de ter sido vista uma parte do que se caminhou.

a idade
é o pedaço de estrada percorrido.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Barata



Décimo quinto andar. Nada os alcançará alí em cima. Topo do mundo. Alta hora do sábado: já passava da meia-noite, ambos dormentes vendo o filme no sofá. Uma taça de vinho pela metade: a dele. A outra, quase vazia: a dela. Duas garrafas pairando sobre a mesa, tragadas até o fim.
Meio trôpega, ela é a primeira a se levantar, rumo ao último ritual do dia - a escovação de dentes, pra logo enfiar-se sob as cobertas, sonhando com o despertar silencioso do domingo que se faz prometer lindo e ensolarado. E eis que, nesta curta caminhada sonâmbula da sala ao banheiro, algo se move pra debaixo do móvel. A olhadela de soslaio não a enganou: sim, era ela, a terrível barata!
Solta um grito de horror, agudo, estilhaçante. Todo o efeito do álcool se dezfez, e todo o sono que sentia foi transformado em nada mais nada menos que alarde e , bom que se diga, repulsa.
Aturdido, ele levanta-se do sofá, interrogando-a. Espantou-se quando soube do estúpido motivo. Tanto alarme por nada! Mas ela contorcia-se de pavor, já em cima da cadeira, sem coragem para recolocar os pés no chão. Avistava os chinelos ao lado do sofá, tentava raciocinar um cálculo: correr até lá, calçar os chinelos, trancar-se no quarto bem longe da barata. Mas não confiava no próprio cálculo: a barata despertaria quando ela pisasse,  sairia de baixo do móvel e iria ao seu encontro, correndo também bêbada pelo chão até seus pés descalços. Ou pior: teria asas, voaria e, numa topada cega, enroscaria-se em seus cabelos.
Durante o meio minuto em que tudo isso passou pela cabeça dela, ele continuava espantado com o efeito que uma simples barata podia causar em sua namorada. Já estava alí, com a vassoura nas mãos, encorajado a tentar fazer a barata vir à luz. Trabalho de macho, dizia ela, confiante no namorado que tinha. 
Muito tempo se passou, o móvel era demasiado grande para que ele pudesse alcançar a barata. Pensou em desistir, chegou a dizê-lo à namorada, calmamente: vamos dormir, de noite ela vai embora, amanhã não estará mais.
Mas baratas? Ah, baratas passam por debaixo da porta. Mesmo se estivessem trancados no quarto, ela viria até eles, subiria pela cama em meio à escuridão e se faria notar pelo asqueroso toque de seu corpo gélido nos corpos aconchegados dos namorados. Não, isso era inaceitável. Ficariam ambos ali, até que ela presenciasse o esmagamento e morte completa daquele inoportuno inseto.
Ele levantou a voz, quase brigou com ela, mas tamanha parecia a fragilidade de sua namorada que logo repensou. Ficariam ali, os dois, até que a barata reaparecesse. O grande móvel, colado à parede, sob o qual a barata se escondia, nem mesmo podia ser empurrado. Ele lamentou aquele móvel, lamentou a presença daquela pequena invasora da tranquilidade do casal. Ela blasfemava. Os diabos que carreguem a maldita! Os diabos que carreguem este homem que nem mesmo consegue matar uma simples barata! Daí, ele sentiu-se atacado em sua masculinidade. E partiram pra briga.
Gritaram um ao outro,  agrediram-se sem dó. Em um momento, ele apontou a ela a vassoura, e era ela, a namorada, que ele queria trucidar. Zangou-se, ela também, com tamanha injúria! Ser comparada a uma barata, como podia ele? Quando perecbeu, já estava no chão, fazendo que ia estapeá-lo. Deram-se conta de que a situação era outra, e nem mais se podia saber se a barata estava alí.
Mas estava, e foi bem ela quem os levou à trégua: das profundezas do móvel, ela correu, tão rápido e tão desesperada que eles nem mesmo tiveram tempo de ver por onde se enfiou – novamente escondida.
Continuaram brigando, dessa vez pelo fato da namorada ser tão histérica e descontrolada. Arremessaram até as taças de vinho, em picos de ira naquela discussão que se instalava, cada vez mais, como um combate sem limites. Um vizinho interfonou, reclamando da gritaria. “É por causa de uma barata”, explicou o namorado, ironizando a situação.
“Insetcida!” foi a palavra que faltava. Insetcida, disse o viznho. E mandou a eles o próprio, pelo elevador.  Mas como agora encontrar a barata? Já havia se tornado uma assombraçao na casa, e a namorada continuava recusando-se a ir deitar. Ele novamente perdeu a paciência e foi, por fim, deitar-se sozinho. Ela que ficasse na sala, esbugalhada, como um cão de guarda noturno.
E no dia seguinte, naquele mesmo décimo quinto andar, uma manhã ensolarada desponatava a maior tragédia da cidade: encontrado moço sem vida, deitado em sua cama, envenenado por insetcida.
Do paradeiro da moça, ninguém jamais soube. Já havia desaparecido quando o vizinho, aterrorizado, avisou a polícia do que encontrara naquela manhã. Apenas a barata dava o seu ar da graça, viva e desnuda, única testemunha do crime.

domingo, 28 de julho de 2013

ao teu redor

Tudo orbitando em torno de ti, centro do mundo

(Meu mundo)

Se não há centro, não há órbita: só vais e vens desarrumados.

Se não há ti, não há ordem e nem freio

E uma paixão desenfreada - que também mora em ti - levaria o mundo ao caos

Meu mundo: paradoxal

Sem ti não há órbita

Contigo também o caos!

Nas tuas promessas, nas tuas seduções

No porto seguro que sabes fazer

Mantendo cada desarranjo em teu próprio domínio - nossa órbita.

domingo, 14 de julho de 2013

quinta-feira, 6 de junho de 2013

vvvvvvv

vem o vento
varrendo a avenida
fazendo toda a vida
fumaça incontida

fogaréu de feridas
vinagre e fuligem
vem o vento
uivando vertigem


sábado, 25 de maio de 2013

Janela do apartamento



Havendo voz uivante
Há vento
Há flor dançante.

Ouvindo a avenida
Há vida
Varrida e constante.

terça-feira, 21 de maio de 2013

papo poesia


Sou corpo calado
Em Inérccia
Silencio a dificuldade

Sou um balbucio
que pede a gritar
Provocar um incêndio

Ser só a brasa
É como  se anestesiar
É esforço pra não sentir dor

Dói mais ficar na cama
Deitada de lado
Olhando a parede

Do que se entregar
À vertigem da vida
Desejo

Seria um rosto de pele mulata
De traços demarcados
Boca Nariz  e Olhos largos

Seria feita de pluma branca
Seria um Gole de vinho 
Sorriso depois de uma noite de amor

Seria um copo de leite com açúcar
E anfetamina
Para curar fraqueza

Seria olhos nos olhos
Papo Poesia
Para injetar franqueza

Agora, sou silêncio



sexta-feira, 10 de maio de 2013

metáfora para o ciúme

Se te pedisse
um trago de seu olhar
seria capaz de compreender a tua dor?

Se encarasse
frente a frente o teu silêncio
vislumbraria em ti algum amor?

Carrego nos ombros o mundo
Se me encontro entrincheirada
entre ter você ou não ter nada

Peço que não me faças
sobra de um caso que não deu
serei febril, não serei eu

Prato que se come frio
meu ato valerá 
palavras mil

de ciúme não mato
de vingança não morro
mas rasgarei teu mundo.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

trôpega

tenta-me assim:
como se fosse o fim
de um caso que sobrou

dentro deste casebre
ardo de febre
efêmera me dou

trata-me assim:
tonta a tropeçar
no que queres fazer de mim

serei tua amada
presa na emboscada
que me armaste, doido assim.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

X

"Atada a múltiplas cordas
Vou caminhando tuas costas.
Palmas feridas, vou contornando
Pontas de gelo, luzes de espinho
E degredo, tuas omoplatas.

Busco tua boca de veios
Adentro-me nas emboscadas
Vazia te busco os meios.
Te fechas, teia de sombras
Meus Deus, te guardas.

A quem te procura, calas.
A mim que pergunto escondes
Tua casa e tuas estradas.
Depois trituras. Corpo de amantes
E amadas.

E buscas
A quem nunca te procura."

Hilda Hilst, Poemas devotos, malditos e gozozos

sábado, 20 de abril de 2013

água


de gelo
sou feita
enquanto dura tua ausência

degelo
lembranças
que me liquidam a inocência

transbordo
saudade
eterna reticência.





quarta-feira, 17 de abril de 2013

segunda-feira, 15 de abril de 2013

um menàge que dá certo



  • Três amigas, tomando sol, resolvem caminhar pela praia do Guarujá. Depois de andarem muito:
    J: - Nossa! Esse lugar que vc tá nos levando é tão longe! Parece que vamos almoçar em Cubatão...
    C: - Não! É mais longe...
    J: - Mais longe que Cubatão???
    C: - É.
    J: Caraca, mano! Vc tá muito louca!!!
    C: - Tô?!
    F: - Como assim? Você quer sair do Guarujá e comer em Cubatão???

    por Juliana T.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

paixão

saindo do sofá da sala
em caminhar sonâmbulo
rumando o quarto
deparo-me com o horror

no chão, ao lado da grande cristaleira
olhando de soslaio
percebo uma mancha proeminente
de tamanho bastante peculiar

era ela, inconfundível barata
parada em sua estratégia
de escapar no momento oportuno (a levantada do chinelo)
e deixar-nos atônitos!

e se foje pra baixo da cristaleira
ai de nós!
será a assombração da casa
durante toda a noite.

domingo, 7 de abril de 2013

realidade suspensa

assim com um pouco de mar
vento e solidão
podemos, sim, dizer que estamos
em suspensão...

sobrevoamos o solo duro
as horas marcadas
as baratas urbanóides
os compromissos que nos tonteiam

sobrevoamos a repetição do repetido
as pequenas chateações
pra estarmos assim logo acima do chão:
flutuando em amor.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

diabos ao divã

O que se pode fazer com os próprios diabos?

guardá-los a sete chaves traz revertério: sai o tiro pela culatra.

soltá-los sem filtro e sem conseqüência: selvageria é o que se ganha.
(ou aquilo que resta incompatível a qualquer civilização)

compreendê-los!
será essa a solução?

quarta-feira, 13 de março de 2013

a distância é o outro

E um dia guardei meus escritos
na gaveta entre pastas
no arquivo pré-histórico do computador

Ficou impossível relê-los
sem uma distância devida de mim
grudada em mim mesma, crio des-paixão

que significa esse treco de ficar julgando o que o outro faz?
se ele é justamente o que diz a palavra: outro
julgar é grudar-se de novo em si mesmo

des-paixão
trágica forma de se manifestar
abolição do diferente, abolição do estranhamento

vem leitor
fazer-me o favor
de jogar-me para muito além de mim mesma!

quarta-feira, 6 de março de 2013

emagrecer

Menos calorias
Mais calores

Mais selvajarias
Menos amores

O amor pode pesar um quilo severo
E o selvagem, sempre efêmero, levanta vôo feito pluma

As calorias, contam-se uma a uma
E os calores todos reunidos somam zero.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

submissa

fritando nesse chão, duas horas de pé, duas horas sentada, duas horas deitada, qualquer hora do dia a obrigação.
doente por fazer tudinho o que ele quer, sem reclamar, e aí suportar a dor que te diz: defende-te!
como me defender dessa luxuriosa carga de prazer? leva-me pra qualquer canto, porque todo lugar bom está naquele a que você me leva.
Dou e faço-me de obediente, resto do amor próprio que um dia existiu, resto de qualquer orgulho, deploravelmente dominada, quase puta - sem ganhar.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Lião

A gata dorme entre dois canteiros de margaridas, a barrigona estalando ao sol. Vou ver ainda esses gatinhos? Mimosa gostava de parir na rede, lembra? Os gatinhos pelados e cegos despencando por entre franjas e ela recolhendo um por um na boca que virava pluma. Miguel não quer saber de filhos, pelo menos por enquanto. Concordei, é evidente, mas tenhos às vezes tanta vontade de me deitar como essa gata plena até a saciedade, tão penetrada e tão compenetrada da sua gravidez que não tem no corpo lotado espaço sequer para um fiapo de palha. Daria a ele o nome de Ernesto.

Lygia Fagundes Telles

domingo, 3 de fevereiro de 2013

inconsciente

aquilo que não cessa de se inscrever
arrebatar o corpo
em suas várias formas de reedição

aquela dor que emana das profundezas
que indaga a própria razão de existir
aquela dor pontiaguda da insegurança

aquilo tudo que existiu noutro tempo
derrete como manteiga
como um beijo molhado  na mão

na paixão sórdida de cada dia de minha vida
sou eu em redefinição
insistentemente apaixonada por mim

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

o potinho

nele cabe dinheiro
comida de cachorro
água, esperança

 e o que fazer diante do potinho vazio?

Lygia Fagundes Teles diria: orniehnid
ao contrário, dá sorte

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

guarda-chuva; coisa de mãe

não comprei o guarda-chuva no farol
do moço tão simpático que vendia
mesmo que pudesse chover
mesmo que olhasse pro banco de trás constatando sua ausência, não...

é o tipo de coisa que não se compra
porque alguém da família sempre tem

é como livro de receita
brinco de ouro
quadro em desuso
taperwear

coisa que se têm por osmose geracional
vai e vem, como o tempo que se repete.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

toda

Leva contigo as minhas tralhas, tão minhas.
tão logo serei tua

leva contigo minhas tonturas
e jogue-as dentro do teu abismo

minhas tiragens, minhas tranqueiras
meus ínfimos interesses

leva contigo a imagem de mim
traíra, como me pensas.

E na tua taquicardia diária
toma-me em teus braços

tenta-me tarada, numa trepada
faz-me brotar de um truque sujo

tão logo, serás Homem
tão logo, terás tudo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

receita de ano novo

meia hora de pé na estrada
pra que haja distância do velho
(os velhos pais)

vestido novo
um par de lágrimas
uma festa


fogos de artifício numa avenida familiar
que eu nunca vi igual


uns goles de birita
uns beijos bem molhados
uma grávida na foto

gente pestanejando
ao som de um jorge ben meio rouco
um convidado brincando de dj

REPLAY
novos velhos 365 dias por vir....
(grávidos de quê?)